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Tenho acompanhado de perto a discussão a respeito da Pracinha do Batel. Lendo e ouvindo sobre o assunto, percebi que este episódio é apenas a parte mais visível de uma discussão muito mais profunda e que envolve uma pergunta importante: que cidade nós queremos construir para nós, nossos filhos e gerações futuras?

O problema em torno da Pracinha do Batel não se reduz a uma questão de engenharia de tráfego. Sabemos que o trânsito, hoje, é crucial no desenvolvimento das grandes cidades; entendemos as enormes exigências de mobilidade que, cada vez mais, afetam a vida das pessoas. Mas não podemos condicionar as soluções urbanas à construção de avenidas e eixos expressos, que rasgam e desconfiguram o ambiente urbano.

Viver em comunidade é a razão e o motivo de ser de uma cidade. O nível de interação social entre os vizinhos de uma rua ou de uma região, assim como o senso de comunidade entre eles, é inversamente proporcional ao volume de trânsito. Em outras palavras: trânsito intenso é uma das causas fundamentais para a separação do morador urbano; da mesma forma, é um fator dilapidante da cidadania contemporânea.

Nós, curitibanos, sabemos melhor do que ninguém que a qualidade de vida de uma cidade é diretamente relacionada com a organização de seu espaço público. Quanto maior for a prioridade dada para a manutenção do ambiente urbano e humano, maior vai ser o sucesso da cidade. Curitiba é um exemplo disso. Não faltam, em nossa história, exemplos de inovação. Nossa cidade orgulha-se de sempre encontrar formas diferenciadas de resolver problemas comuns a muitas cidades.

São esses diferenciais que criaram a qualidade de vida curitibana. Infelizmente, as soluções adotadas para o trânsito hoje são iguais às adotadas pela maioria das metrópoles brasileiras: avenidas e mais avenidas, cada vez mais largas, cada vez mais rápidas. A nossa capacidade inovadora de planejar o futuro urbano e o futuro humano está ficando na história.

Cidades desenvolvidas, principalmente da Europa, priorizam as pessoas e não os automóveis. Trabalham com as variáveis população, meio ambiente e recursos naturais. Nelas, a mobilidade é garantida por meio do reagrupamento das atividades humanas, centradas no eixo trabalho, moradia e lazer. São cidades que investem na revitalização de áreas degradadas, no incentivo à moradia em áreas comerciais e vice-versa, garantindo a convivência, o contato e menos deslocamentos. São centros urbanos que incentivam, através de estrutura adequada, meios alternativos de transporte, como a bicicleta, por exemplo. E, de forma avançada, discutem os horários de organização da cidade.

O que impede um pacto urbano sobre a modificação dos horários de funcionamento de alguns setores da sociedade? Entrada e saída das escolas, por exemplo? Dos órgãos públicos? De setores do comércio? Precisamos resgatar a capacidade inovadora da nossa Curitiba, que é referencial de diferença no Brasil e no mundo.

Queremos uma cidade de ruas e praças, não só de carros e avenidas. Queremos convivência e qualidade de vida. Por isso, é importante que cidadãos e poder público mobilizem o pensamento criativo e a tecnologia disponível para garantir o futuro nas cidades e no nosso planeta, de recursos tão finitos.

Gleisi Hoffmann, advogada, é gestora pública.

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