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Supremo Tribunal Federal, o STF, gostar de fazer acrobacias jurídicas de vez em quando, como no caso do passaporte vacinal.
A estátua da Justiça diante do prédio do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Rosinei Coutinho/STF

Após três anos de tramitação, o projeto de lei que estabelece novas regras para os processos por improbidade administrativa foi à sanção e se tornou a Lei 14.230/2021, já em vigor. Com a inovação das normas materiais e processuais, o texto deve ter muito impacto na gestão pública brasileira, já que altera significativamente o regime das punições que podem ser aplicadas em casos de atos praticados por parte de agentes públicos e daqueles que contratam com a administração pública.

Os atos de improbidade administrativa são considerados aqueles que causam enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios da administração pública. A principal alteração decorrente da nova lei é que a improbidade, com a reforma, só pode ser caracterizada quando há o dolo do responsável, ou seja, quando a intenção maliciosa é comprovada. Dessa forma, se há apenas imprudência ou negligência, o ato não é mais considerado de improbidade.

A nosso ver, não se trata de uma mera reforma legislativa. Pode-se mesmo dizer que, de agora em diante, tem-se uma nova Lei de Improbidade Administrativa. Alteraram-se as bases fundantes da Lei 8.429/1992 e um novo sistema de responsabilização por atos que ferem a gestão pública.

A nova lei se aplica retroativamente, a atos praticados antes de sua aprovação? A lei reformada dispõe, expressa e textualmente: “Aplicam-se ao sistema da improbidade, disciplinado nesta lei, os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Isso significa que princípios e garantias inerentes ao direito penal (ou às sanções decorrentes da prática de ilícitos penais) acabam se aplicando, também, às sanções oriundas da prática de atos de improbidade administrativa e ao procedimento judicial em que se discute sobre a aplicação de tais sanções. Tratando-se de parte do direito sancionador, assim como a lei penal (artigo 5.º, caput, XL, da Constituição Federal), assim também a legislação que prevê sanções por atos de improbidade não retroage, salvo para beneficiar o réu.

Criticável ou não, o fato é que essa é a opção legislativa, e, não havendo inconstitucionalidade, as regras já em vigor devem ser observadas e aplicadas.

Mas tais disposições aplicam-se inclusive a processos em curso, ou apenas a ações novas? Atingiriam decisões já transitadas em julgado, para afastar condenações por atos que, de acordo com o novo sistema, não haveriam de ser considerados desonestos?

Tratando-se, como efetivamente se trata, de parte do direito sancionador, a resposta que se impõe à primeira das questões formuladas é uma só: Tal como a lei penal (artigo 5.º, caput, XL, da Constituição Federal), assim também a legislação que prevê sanções por atos de improbidade não retroage, salvo para beneficiar o réu.

Tome-se, por exemplo, os atos que, de acordo com o novo sistema, não são considerados ímprobos. Aquilo que, paradoxalmente, chamava-se de “improbidade culposa” (a expressão é contraditória pois, se improbidade é ato praticado com desonestidade, não se compreende “desonestidade culposa”), se não mais é considerado ato de improbidade pela nova lei, não mais será penalizado. Esse princípio deve ser aplicado também aos atos praticados antes da vigência da Lei 14.230/2021, que alterou a Lei 8.429/1992.

Assim, a nova tipologia normativa dos atos de improbidade administrativa e de suas sanções se aplica aos atos praticados antes de sua vigência, se para beneficiar o réu. A não ser que haja alteração no modo como o tema vem sendo tratado na jurisprudência até aqui, esse é o entendimento que haverá de prevalecer, daqui por diante, nos tribunais.

José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito e professor na Universidade Paranaense e na UEM.

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