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Homem usando máscara visita loja oficial das Olimpíadas de Tóquio na capital japonesa
Homem usando máscara visita loja oficial das Olimpíadas de Tóquio na capital japonesa| Foto: AFP

As estratégias atuais para conter o novo coronavírus têm sido um desastre na maior parte dos países, mesmo com muito dinheiro gasto em testes laboratoriais, com os isolamentos horizontais e distanciamento social. A medida não tem funcionado porque não tínhamos evidências suficientes para saber o que fazer. A teoria do isolamento, com o intuito de achatar a curva, não passa disso, uma teoria. Ela ainda precisa ser validada, ou não.

Quando falamos em pesquisa científica, precisamos sempre considerar dois tipos de efeito, o efeito agudo (de curto prazo) e o efeito crônico (de longo prazo). A medicina tem se baseado, sim, em evidências para cuidar da nossa saúde, mas geralmente considera apenas os efeitos agudos deste ou daquele tipo de tratamento, desconsiderando os riscos no longo prazo. É uma prática já conhecida. Vamos ao médico e queremos sair com uma receita que resolva o problema logo. No entanto, é comum continuarmos com a doença. É o caso da cirurgia bariátrica para tratar a obesidade. Diversas pessoas obesas buscam a solução milagrosa nesta intervenção cirúrgica para perder peso rapidamente. Elas de fato conseguem, mas existem efeitos colaterais como a anemia (15% dos casos) e a necessidade de refazer a cirurgia (8% dos casos), além dos riscos inerentes a procedimentos cirúrgicos. Um estudo observou que 50% das pessoas que fazem cirurgia bariátrica voltam a ganhar todo o peso perdido em 24 meses. Assim, diversos pacientes são colocados em risco todos os anos, muito dinheiro é gasto, mas no fim das contas o problema da obesidade continua.

Mas qual a relação da cirurgia bariátrica com a pandemia do novo coronavírus? As pessoas querem sempre que alguém tenha a solução para os seus problemas. É mais fácil se eximir da responsabilidade do que fazer as mudanças que precisam ser feitas. A maioria quer sempre uma formula mágica, uma solução imediata.

O isolamento social é uma teoria que se baseia na lógica de reduzir o contato entre as pessoas infectadas para reduzir o número de  contágios diários. Trata-se, portanto, de uma estratégia de curto prazo, buscando principalmente ganhar tempo para prover os recursos e estrutura necessários ao atendimento dos casos graves da doença. No longo prazo ela é indubitavelmente um desastre. O isolamento social acaba paralisando todos os meios de produção e a economia. É uma estratégia que, se for utilizada, precisa ter um prazo de validade pré-definido. O isolamento social total não é possível devido à necessidade óbvia que temos em manter diversos serviços; portanto, as pessoas  continuam sendo infectadas dia após dia. Por que isso acontece? Simplesmente porque este vírus é altamente contagioso e não sabemos quem está infectado. Os testes são uma maneira de descobrirmos isso, mas eles custam muito tempo e dinheiro. Quando o resultado sai, a pessoa já infectou praticamente todos os que ela poderia infectar. E, além disso, neste momento, o teste é inútil, pois não temos nenhum tratamento específico para a doença.

Um estudo publicado recentemente na revista Science observou que os casos não documentados são responsáveis por 79% dos casos documentados. Este mesmo estudo estima que 86% de todas as infecções não são documentadas. A partir destes dados, podemos inferir que existe uma grande probabilidade de que a taxa de mortalidade do vírus seja muito menor do que os dados oficiais apresentam. Por exemplo, no Brasil, em 31 de março, havia 4.461 casos confirmados e 165 mortes, gerando uma taxa de 3,5% de mortalidade. No entanto, se considerarmos que 86% dos casos podem não ter sido documentados, teríamos cerca de 34 mil casos e a taxa de mortalidade ajustada seria de aproximadamente 0,5%, taxa mais semelhante à das outras gripes, como a H1N1, cuja mortalidade, segundo estudo publicado na revista com alto fator de impacto The Lancet, ficou estimada entre 0,02% e 0,16% para pessoas com idade entre 18 e 64 anos. O leitor percebe que o comportamento do H1N1 é, na verdade, muito semelhante ao do novo coronavírus?

A verdade é dura, mas precisa ser dita. Não temos evidências de longo prazo sobre a efetividade de estratégias de isolamento no Brasil. Um estudo publicado na China demonstrou que algumas estratégias foram aplicadas e obtiveram êxito na redução do número de casos. No entanto, o estudo foi realizado na China, que aplica leis muito rígidas quanto ao seguimento de regras, o que é bem diferente do Brasil que nós conhecemos. Além disso, a China utiliza-se de diversas estratégias, obrigando todos a usarem máscaras e outros equipamentos de proteção individual.

A recomendação da OMS é de que nem todos devem usar máscaras e que devemos fazer isolamento social, mas eles estão completamente errados. A preocupação da OMS é não haver máscaras suficientes para toda a população, principalmente para os médicos que trabalham na linha de frente, o que precisa ser considerado, com certeza. Mas países que consideram o uso obrigatório de máscaras reduziram substancialmente o número de pessoas contagiadas, mesmo sem usar de estratégias de isolamento radical e sem parar a economia. As pessoas não precisam parar de se encontrar, elas precisam não se contaminar. É o mesmo caso do uso do preservativo e das doenças sexualmente transmissíveis. É impossível impedir que as pessoas façam sexo, mas é possível fazer sexo sem se contaminar, bastando utilizar “EPIs” como o preservativo. Não tenho dúvidas de que fabricar ou comprar máscaras, óculos de proteção, luvas e álcool gel é muito mais eficiente e barato que comprar leitos, respiradores, pagar profissionais especializados, dar ajuda de custo para trabalhadores informais, fechar comércio, escolas e shoppings. Se países como China, Japão, Tchéquia e Coreia do Sul têm conseguido achatar a curva é porque eles tomaram medidas diferentes, e o uso de máscaras pode ser a grande diferença.

Estes países estão sendo mais eficientes que os outros, e a OMS precisa rever a sua recomendação urgentemente. Não usar máscara é um grande erro, disse o cientista diretor-geral do Centro de Controle de Doenças chinês, George Gao, em entrevista à revista Science. A frase também se aplica ao Brasil. Todos precisam usar máscaras, essa é a prioridade, essa é a verdade. Não ter máscaras suficientes significa que temos de juntar todos os nossos esforços para produzi-las ou comprá-las. O restante é secundário. Basta ver a curva dos países que utilizam máscaras como item obrigatório para sair de casa.

Não sabemos quem está infectado. Este é um dos motivos pelos quais o vírus se espalhou tão rápido. As autoridades médicas dizem estar seguindo a ciência, mas não enxergam todas as evidências, assim como também não possuem dados de longo prazo ainda. A pessoa ao seu lado, neste momento, pode ser um potencial transmissor do vírus, ou até mesmo você que está lendo este texto. A transmissão do vírus  acontece por meio das gotículas expelidas quando falamos, tossimos ou espirramos. Por isso eu sempre uso máscaras. Se estiver contaminado, não quero ser responsável pelo adoecimento de nenhum colega. A máscara não é para a minha proteção direta, é para a proteção dos outros, que não terão contato com as minhas gotículas simplesmente porque a máscara não deixa a grande maioria delas passar. Gostamos de soluções complexas, mas a solução é muito simples. Não precisamos acabar com a economia, não precisamos entrar em pânico, não precisamos fechar todas as lojas e serviços, só precisamos tomar cuidados básicos, precisamos de máscaras!

Em resumo: use uma máscara; assuma a responsabilidade; considere os efeitos a longo prazo; e fique calmo, esta é só mais uma doença perigosa a que estamos sujeitos todos os dias.

Kim S. L. Mileski é mestre e doutor em Ciências da Saúde.

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