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No início deste ano, o livro Minha Luta, de Adolf Hitler, passou ao domínio público. Isso possibilita a qualquer interessado publicá-lo. No entanto, no início de fevereiro, a Justiça do Rio de Janeiro proibiu a comercialização, exposição e divulgação do mesmo, sob pena de multa de R$ 5 mil por exemplar – proibição esta que acabou de completar um mês sem ter sido revertida. O livro em questão, além de nefasto e abominável, para dizer o mínimo, foi um alicerce ideológico importante de um dos maiores e mais perversos genocídios da história da humanidade. Entretanto, a proibição da publicação de qualquer livro impele a todos que veem na livre circulação dos mesmos um fundamental pilar da democracia a posicionar-se.

Os livros são perigosos, podem gerar turbulências sociais e, precisamente por isso, devem ter a sua publicação tutelada – e até mesmo proibida – pelo Estado. Esse é o pensamento e prática recorrente de qualquer ditador e regime totalitário ao longo da história. Inversamente, as democracias não devem temer o amplo e irrestrito debate de ideias. Pelo contrário, as democracias são tão fortes quanto a abertura das mesmas ao debate. Por isso, este é ainda mais necessário quando se está diante de ideias odiosas e execráveis, como as apresentadas no livro de Hitler, precisamente para que estas sejam frontalmente combatidas, desmentidas e tornem-se natimortas.

Proibir a publicação de livros é caminhar para tornar-se exatamente aquilo que se condena

Proibir a publicação de livros é caminhar para tornar-se exatamente aquilo que se condena. Basta lembrar que, durante o regime nazista, vários livros não somente eram proibidos como também queimados em praça pública. O simples fato de se ter de discutir a pertinência ou não da proibição da publicação de um livro é um claro indicativo de imaturidade democrática. Esta proibição é uma fresta autoritária cujo flerte com a mesma é, sobretudo em uma democracia jovem e frágil como a brasileira, no mínimo perigoso.

Não deve caber ao Estado, mas sim à consciência crítica de cada indivíduo, a definição sobre o que pode ou não ser lido. A proibição do livro em questão evidencia uma postura paternalista do Estado perante a população, pressupondo uma imaturidade intelectual da mesma e infantilizando-a. Isso pode não parecer alarmante em tempos em que as publicações mais vendidas no país são livros de colorir para adultos. Contudo, tal fato é particularmente grave, pois uma sociedade infantilizada não reivindica direitos.

A solução mais inteligente para a questão veio precisamente da Alemanha. Por lá foi publicada, pelo Instituto de História Contemporânea de Munique, uma edição crítica do mesmo, com cerca de 3,7 mil notas explicativas. Nesta edição, diversos acadêmicos, de várias áreas, não somente evidenciam as inúmeras falácias do texto como também (e sobretudo) desconstroem e refutam cada argumentação avançada pelo mesmo. O fato de o livro ser publicado, mesmo em um tempo em que a extrema-direita ganha força na Europa, demonstra uma impressionante maturidade democrática.

Um trabalho desta profundidade, ao ser publicado no Brasil, certamente seria um grande serviço à discussão pública acerca do tema. Mais do que isso, ir nesta direção evidenciaria um saudável amadurecimento democrático. Temos acadêmicos qualificados para este desafio. Contudo, a questão é se temos uma democracia madura o suficiente para tal empreitada. A proibição de livros evidencia que não.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e colaborador no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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