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Perguntado o que achava sobre o julgamento dos "40 do mensalão" iniciado naquele dia no STF, o presidente Lula foi peremptório: "Não vi, tenho que trabalhar". Dia seguinte, quando um fotógrafo do "Globo" reproduziu da tela de um computador o diálogo digital entre dois ministros durante o julgamento, o presidente já teria interrompido o trabalho e encontrado razões para manifestar contrariedade pela "invasão da privacidade" (segundo informou o "Estado de S. Paulo, nesta sexta-feira).

O vazamento pela imprensa do diálogo travado nos bastidores do olimpo forense ganhou mais espaço do que o próprio julgamento, considerado pelos especialistas o mais importante na história da suprema corte. A razão é simples: chegamos atrasados ao debate ideológico ou simplesmente não temos apetite para atualizar nossa filosofia política.

Para compensar, desviamos grande parte da nossa energia para politizar intensamente a vida cotidiana até distorcê-la completamente. Das operações da Polícia Federal contra o crime organizado às tragédias aéreas, da legalização do aborto ao custo das obras para a realização dos Jogos Pan-Americanos, tudo é levado para o simplificado e reduzido palanque eleitoral. E como não poderia deixar de acontecer, tudo é enfiado na implacável máquina de triturar os consensos humanitários e relativizar certezas universais.

As maiores vítimas são as noções básicas consagradas há mais de 200 anos a respeito da democracia, Estado de Direito, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão. Discuti-las é saudável, colocá-las sob suspeição equivale a um retrocesso.

Na recém-iniciada Era da Informação a partidarização tardia ganha aspectos quase selvagens. Se vivo fosse, John Milton rasgaria a sua "Areopagítica, pela Liberdade de Imprimir sem Autorização nem Censura" (1644), agora tornada inútil pelo retorno inesperado das técnicas de propaganda e desinformação concebidas por Joseph Goebbels para tornar a mentira algo parecido com a verdade desde que repetida continuamente.

O fenômeno que nos anos 90 foi batizado pelo observador da imprensa americano Howard Kurtz como "Circo da Mídia" agora é designado pelo jornalista Marcelo Coelho como "A Política da Notícia" (em "O Esquecimento da Política", org. de Adauto Novaes, Agir, 2007).

Os ritos e modas da sociedade do espetáculo tornaram-se palatáveis há poucas décadas quando o evento tornou-se mais importante do que as circunstâncias que os geram. A cultura do eventual tornou-se marca registrada deste início de século, embora a produção artificial de fatos – ou factoides – seja tão aterradora quanto o superabelhudo Big Brother imaginado por George Orwell em 1948. Sem referências sobre o que efetivamente acontece e o que foi encenado artificialmente, nega-se a realidade e consagra-se a invenção.

No mesmo dia (quinta-feira), em que o senador Aloízio Mercadante publicava na "Folha de S. Paulo" um texto acusando a imprensa de veicular hipóteses inverídicas, inclusive sobre o repatriamento dos boxeadores cubanos, o ministro da Justiça Tarso Genro comparecia à Comissão de Relações Exteriores do Senado para garantir que não houve acerto entre Brasília e Havana. Esqueceu que no dia anterior o chanceler cubano, em rápida visita, afirmara categoricamente o contrário: houve, sim, cooperação entre os dois governos. Agora sabe-se que o acerto foi trilateral porque era venezuelano o jato que levou os atletas de volta ao seu país.

Irrelevante? Quando a notícia é politizada nada é relevante, tudo pode ser minimizado, secundarizado, relativizado e empurrado para debaixo do tapete. O tal do "mensalão" começou irrelevante, confinado a um funcionário dos Correios flagrado quando embolsava tranqüilamente a irrelevante quantia de três mil reais. Em troca revelou as irrelevâncias do esquema de propinas que parecia confinado ao território do irrelevante PTB e acabou desembocando no maior escândalo político da história da República.

A política da notícia não serve a ninguém, sobretudo aos governantes. O assessor da Presidência, professor Marco Aurélio Garcia, rejubilou-se com a informação transmitida pela TV de que o desastre do Airbus fora causado por defeito no reversor de uma turbina. Isso, dois dias depois da tragédia. Agora sabe-se que a tragédia poderia ter sido evitada se as autoridades levassem a sério as duas advertências de dezembro passado a respeito da pista de Congonhas.

A política da notícia distancia, arruína a comunicação, sobretudo, desumaniza. Pode dar certo por algum tempo, mas não se sustenta. Uma sociedade onde se instala o descrédito, a desconfiança e a suspeição, vive desnorteada. Incapaz de acelerar. Muito menos de crescer.

Alberto Dines é jornalista.

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