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O ministro do STF Kássio Nunes Marques suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa.
O ministro do STF Kássio Nunes Marques suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, prolatou, no final do ano passado, decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.630, suspendendo a expressão “após o cumprimento da pena”, contida na alinea “e” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar 64/1990.

Segundo o magistrado, a permanência do texto teria o condão de perenizar o estado de inelegibilidade, tornando irrazoável a medida. Na sua decisão, Nunes Marques registrou o entendimento de que “a ausência da previsão de detração, a que aludem as razões iniciais, faz protrair por prazo indeterminado os efeitos do dispositivo impugnado, em desprestígio ao princípio da proporcionalidade e com sério comprometimento do devido processo legal”. A detração a que alude o magistrado diz respeito à necessidade de se abater do tempo total do período de inelegibilidade aquele intervalo temporal posterior à decisão condenatória proferida pelo órgão colegiado, momento em que já se suspende a elegibilidade.

Com o devido respeito, a decisão deixa de levar em conta diversas providências adotadas pelo legislador para assegurar total proporcionalidade e razoabilidade a todos os prazos de duração de inelegibilidades definidos pela Lei da Ficha Limpa.

Em primeiro lugar, convém deixar certo que o dispositivo cujo conteúdo foi enfraquecido pela referida liminar contempla os casos mais graves de condutas tidas pelo legislador como incompatíveis com o propósito de ser candidato. Essa é a parte mais sensível da Lei da Ficha Limpa. Ali estão os que cometeram desde homicídio, latrocínio, corrupção, estupro, sequestro, lavagem de dinheiro até racismo e muitas outras condutas torpes e abjetas. Os praticantes de atos como esses são os grandes beneficiados pela citada liminar.

A duração dessa inelegibilidade foi fixada de forma clara, e segundo balizas muito precisas. A inelegibilidade tem início com a condenação pelo órgão colegiado e segue até que se superem oito anos desde o efetivo cumprimento da pena. O prazo só ficará enorme se a pena aplicada ao condenado for igualmente larga. Então, só pode ficar inelegível por muitos anos aquele que cometeu um delito de alta gravidade. Fora isso, essa extensão temporal nunca ficará muito diferente daquela fixada para as demais hipóteses previstas na lei.

Mas é preciso levar em conta outras questões não consideradas pelo eminente ministro.

O dispositivo cujo texto foi reduzido não se aplica a crimes de menor potencial ofensivo. A própria Lei da Ficha Limpa assim o definiu. Ou seja: só delitos graves podem gerar a inelegibilidade decorrente de condenação criminal.

A grande extensão de um prazo de inelegibilidade não é bastante para infirmar a sua razoabilidade. É preciso confrontar a gravidade da conduta atribuída ao pretenso candidato e a extensão da inelegibilidade daí decorrente.

Promover a “detração” pretendida implica em dar a uma inelegibilidade decorrente de condenação criminal por crimes tão graves a mesma extensão daquela decorrente de uma rejeição de contas públicas ou por abuso de poder. Isso, sim, seria terrivelmente irrazoável e desproporcional.

Além disso, é imperioso registrar que a Lei da Ficha Limpa, em toda a sua sabedoria, torna possível aos que demonstrem ter uma boa probabilidade de reversão da decisão condenatória a obtenção de uma liminar suspendendo a inelegibilidade. Isso quer dizer que só os casos mais grosseiros – em que o acerto da condenação é evidente – podem realmente produzir a suspensão da elegibilidade do condenado.

A Lei da Ficha Limpa foi submetida a um debate de mais de dois anos com a sociedade brasileira, a qual abraçou o projeto e o tornou uma grande prioridade nacional. Depois disso, o projeto de lei foi profundamente discutido no Congresso, que o aprimorou e aprovou por unanimidade nas duas casas. Depois sobrevieram a sanção presidencial e a declaração da sua integral constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. É uma história de mobilização vitoriosa da sociedade brasileira.

Passados dez anos desde a sua edição, agora é hora de consolidar de uma vez por todas essa conquista irrenunciável, nunca enfraquecê-la ou relativizá-la.

Márlon Reis, advogado e doutor em Sociologia Política e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza (Espanha), é um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.

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