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| Foto: Marcos Corrêa/PR

A queda do ex-ministro Gustavo Bebianno teve nuances singulares, cujos traços têm semelhança com os acontecimentos históricos da França revolucionária do século 18. No período em que o Regime Antigo ruiu, emergiram novas lideranças e a revolução permaneceu, mesmo com a ascensão ao poder do novo grupo político.

Seria por demais presunçoso estabelecer uma igualdade entre o cenário eleitoral de 2018 e o início do governo de Jair Bolsonaro com a França revolucionária, mas identificar semelhanças é plenamente possível. Apenas a título de exemplo, a atuação dos caminhoneiros e de parcela da população naquele movimento que ficou conhecido como “Revolução Caminhoneira”, e que alguns apressaram-se em idealizar como o Tea Party brasileiro, demonstra o argumento, já que esses personagens lembram os sans-culottes franceses: camponeses e artesãos que eram massa de manobra, usados segundo o interesse dos lideres revolucionários.

O resultado eleitoral de 2018, observado de um cenário macroscópico, nos permite concluir que inúmeros centros de poder (estruturas partidárias, mídias tradicionais, estruturas políticas tradicionais) ruíram: eis a queda do Ancien Régime. O neófito governo emerge sobre escombros de estruturas, mas sem criar uma superestrutura, o que lhe traz dificuldade de governar e uma ausência de mecanismos de comunicação com a população brasileira.

Gustavo Bebianno foi igualmente devorado pela revolução que ajudou a criar

As disputas dos parlamentares que compõem a base de apoio de Bolsonaro iniciaram uma nova fase na revolução. Nestes episódios estão a gênese do “jacobinismo de direita”, expressão cunhada por Rodrigo Constantino. As brigas internas no grupo de WhatsApp de parlamentares do PSL e a trapalhada comitiva que viajou para a China – bancada pelo Partido Comunista Chinês e motivada pelo interesse em obtenção de um software de reconhecimento facial e o expurgo público – são demonstração da atuação destes jacobinos de direita.

O episódio envolvendo Bebianno nos conduz agora a uma nova fase “revolucionária”, em que os líderes do movimento, ou da revolução, são atingidos pelos próprios pares. A Revolução devora seus líderes!

Mas a narrativa é importante para compor o Tribunal de Terror, que no caso de Bebianno usou primeiramente como motivo as denúncias acerca de uma suposta candidatura laranja em Pernambuco, com transferência de recursos públicos para a campanha. No entanto, há um outro ministro com acusações semelhantes e que está confortavelmente seguro no governo.

A melhor versão para compor a narrativa que iria “guilhotinar” Bebianno foi a acusação mais grave, a de “traidor”, por conspirar com o “inimigo”, tendo perigosamente se aproximado de veículos de imprensa que gozam de pouco prestígio com o pensamento hegemônico e monolítico do jacobinismo de direita. A narrativa foi bem recebida: na melhor frase do líder revolucionário francês Jean-Paul Marat, Bebianno se tornou “Inimigo do Povo”.

Leia também: A manobra de Flávio Bolsonaro (editorial de 20 de janeiro de 2019)

Leia também: Reconstrução do país deve ir além de retórica (artigo de Luiz Carlos Borges da Silveira, publicado em 10 de janeiro de 2019)

A Revolução atingiu seu primeiro “filho” e Bebianno, outrora benquisto por Bolsonaro, caiu em desgraça, taxado de traidor e “inimigo do povo”. Curiosamente, foi exonerado com o presidente da República elogiando a pessoa que seu filho Carlos chamou de mentirosa. Talvez seja o caso de um “virtuoso mentiroso traidor”.

A Revolução não pode parar, deve ser eterna. Deve atingir, agora, o PSL, legenda que engendrou e viabilizou a estrutura partidária para Bolsonaro. Fala-se na formação de um novo partido político imaculado, puro e uniforme, que atenda os desígnios e desejos dos jacobinos de direita, que satisfaçam as aspirações pessoais de Carlos e Eduardo Bolsonaro.

As revoluções têm um início conhecido (muitas vezes instigado), mas seu desfecho é imprevisível, inclusive para seus líderes. Marat, Danton, Robespierre foram vítimas de seus desígnios, de seu ímpeto revolucionário, “devorados pela criatura que criou”. Gustavo Bebianno foi igualmente devorado pela revolução que ajudou a criar. Mas o perigo não está no início, nem no meio da revolução: o derradeiro perigo ocorre com suas consequências – e a Revolução Francesa levou a um Napoleão Bonaparte.

Juliano Rafael Teixeira Enamoto é procurador da Câmara Municipal de Sapezal (MT).
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