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O papa Bento XVI, cujo pontificado terminou um ano atrás, em 28 de fevereiro de 2013, foi o equivalente eclesial de um rei-filósofo, ou seja, um papa que também é um intelectual de primeiríssima classe. Em seus livros (que passam de 60), ele tratou dos problemas intelectuais enfrentados pela Igreja e ofereceu suas soluções para o tesouro da tradição intelectual cristã. Tesouro que inclui os trabalhos dos Padres da Igreja, tanto de origem cristã quanto latina; a obra dos medievais (como Boaventura, Anselmo, Tomás de Aquino e Alberto Magno); as ideias de teólogos recentes, como John Henry Newman, Romano Guardini, Luigi Giussani, Henri de Lubac, Hans Urs von Balthasar e Yves Congar; e a contribuição de filósofos como Josef Pieper e Martin Buber. Em poucas palavras, Joseph Ratzinger foi um dos homens mais brilhantes a ocupar o Trono de Pedro.

No entanto, apesar de seu brilho, costuma-se dizer que a administração não era seu forte. Intelectuais tendem a governar pelo poder de suas ideias, não por sagazes movimentações burocráticas. Também se diz que João Paulo II tentou reformar a Cúria trazendo não italianos, mas que os italianos facilmente contornavam os estrangeiros. Diz-se até que os curiais italianos tinham todo um repertório de sinais para mandar mensagens entre si durante reuniões, sem nem precisar abrir a boca. Os negócios da Igreja têm sido seus negócios por séculos. Desde a Reforma, os alemães tinham sido os principais teólogos enquanto os italianos tomavam conta da administração do dia a dia. Qualquer um que tenha tentado liderar uma instituição sabe que são necessários tanto administradores quando pessoas com ideias. O papa Francisco é um administrador que lida com questões práticas, como o Banco do Vaticano e a reforma da Cúria. Ele não fica sentado em sua mesa trabalhando em uma resposta ao mais recente ataque do ateísmo pós-moderno ao Cristianismo.

Um modo de olhar a história do papado de Wojtyla a Bergoglio é dizer que João Paulo II derrotou a Velha Esquerda, os stalinistas linha-dura, e ofereceu o antídoto intelectual à revolução sexual dos anos 60 com sua Teologia do Corpo. Ele foi seguido por Ratzinger, que lançou as fundações para curar as fraturas internas do Cristianismo, desde a separação das Igrejas orientais até as divisões do século 16. Ratzinger estava particularmente preparado para isso graças a seu conhecimento da literatura patrística e do protestantismo alemão. O protestantismo deixa perplexos os líderes católicos italianos e espanhóis já que ele não faz parte da experiência cultural deles. Mas de Ratzinger se dizia que ele conhecia a teologia de Lutero melhor que qualquer outro papa na história.

Ratzinger também entendeu os problemas da filosofia alemã do século 18, bem como os pontos fortes e fracos do romantismo alemão do século 19. Há uma ligação direta entre os elementos anticristãos desse romantismo e a crítica feita pela Nova Esquerda ao Cristianismo, descrito como uma religião para pessoas com distúrbios de personalidade. O trabalho de Ratzinger, portanto, é uma fonte valiosíssima de material para curar as fraturas da cristandade e para debater com o ateísmo contemporâneo.

No futuro, creio que muito provavelmente veremos Bento XVI na lista de honra dos Doutores da Igreja.

Tracey Rowland, pesquisadora do Instituto João Paulo II para o Matrimônio e a Família, em Melbourne (Austrália), é autora de A fé de Ratzinger. Tradução Marcio Antonio Campos

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