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O prefeito paulistano Gilberto Kassab (na melhor das hipóteses um liberal em matéria econômica), entra na história da social-democracia brasileira como seu algoz

Parece sina: chegamos atrasados, alardeamos desculpas e avacalhamos o evento. Assim foi com a primeira experiência social-democrata em 1945 e assim está sendo agora.

Provavelmente amparado no sólido conhecimento ideológico de Lourival Fontes, mas certamente seguindo seu imbatível instinto político, o ditador Getúlio Vargas criou e presidiu duas agremiações para sustentar um possível retorno ao poder. O PTB, partido trabalhista, estava apoiado no sindicalismo oficial, dois meses depois tirou da incubadora o PSD, teoricamente social-democrata, montado a partir dos currais eleitorais de seus interventores estaduais durante o Estado Novo.

Um desses filhotes do varguismo ou os dois juntos seriam a réplica nativa do New Deal, o novo pacto social personificado no recém-falecido Franklin Roosevelt. A espetacular vitória do partido trabalhista inglês em julho de 1945 sobre o herói da guerra Winston Churchill também contribuiu para dar um charme especial ao ramo inglês da velha social-democracia alemã.

Apesar de vitoriosa nas duas primeiras eleições pós-ditadura (com Dutra e Kubitschek) nem a coligação nem suas crias isoladamente conseguiram tocar o projeto social-democrata concebido por Edward Bernstein no final do século 19.

A admirável figura de Alberto Pasqualini, do PTB gaúcho, um dos pais da Petrobras, chegou a empolgar os torcedores do clube social-democrata espalhados por um vasto espectro partidário, do PDC ao PSB, incluindo alguns membros da "UDN bossa-nova". Um derrame cerebral aos 55 anos interrompeu sua brilhante carreira e pulverizou o projeto do socialismo democrático no Brasil.

O fim do regime militar coincidiu com o sucesso da social-democracia em todo o mundo. Seu conteúdo humanista alimentou uma das mais fulgurantes histórias de sucesso do pós-guerra, a comunidade europeia alicerçada na Alemanha e França fortemente social-democratas e viabilizou o projeto do Estado do Bem-Estar, o Welfare State, terceira via entre o bolchevismo soviético e capitalismo americano.

A social-democracia foi essencial na Península Ibérica funcionando de forma admirável na transição das suas ditaduras para a plena democracia. No exílio português, Leonel Brizola trocou seus impulsos revolucionários por um projeto evolucionário, tentou o registro de um novo PTB (abocanhado antes por Ivete Vargas, sobrinha-neta do caudilho), mas conseguiu filiar o seu PDT à Internacional Socialista. Hoje está nos antípodas do que pretendia ser.

Quando o enorme e disforme PMDB passou a exibir suas irremediáveis rachaduras, um expressivo grupo de quadros criou o Partido da Social-Democracia Brasileira, o PSDB. Venceu duas eleições presidenciais, estabeleceu um padrão de qualidade na gestão pública, colocou o País na rota do sucesso.

Perdeu o fôlego, vencido principalmente pelas contradições internas expostas pela candidatura Alckmin em 2006. O vice de Mário Covas revelou-se um administrador competente, suas convicções pessoais, porém, jamais permitiram absorver algo do ideal social-democrata para enfrentar o rolo compressor da vertente populista do PT.

Por vontade própria ou telecomandado, por oportunismo seu ou de terceiros, o prefeito paulistano Gilberto Kassab (na melhor das hipóteses um liberal em matéria econômica), entra na história da social-democracia brasileira como seu algoz. Ou redentor num eventual segundo round. Abiscoitou a preciosa sigla do PSD e está fazendo um estrago inédito no partido teoricamente coirmão.

No bom estilo personalista no qual se alicerçam os movimentos e partidos brasileiros, Kassab está preocupado com adesões. Posteriormente explicará se o seu PSD é o mesmo do reacionário presidente português Cavaco Silva e do venerando coronel Benedito Valadares ou se optará por doutrinas mais próximas do presidente uruguaio, José Mujica, que recentemente declarou ao El País: "Não é possível construir o socialismo com sociedades de semianalfabetos".

Alberto Dines é jornalista.

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