| Foto: Fábio Abreu

O passado é um reservatório de ações politicamente incorretas, capaz de chocar as almas mais sensíveis do mundo moderno. Passando os acontecimentos e os personagens de outros tempos pelo filtro da atualidade, poucos escapam da inquisição. Esse revisionismo tem gerado situações delicadas nas universidades. Nomes de prédios e monumentos devem ser trocados para que os jovens não se sintam “ofendidos”. E o pior é que muitas demandas têm sido atendidas!

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Incomodado com esse clima persecutório, Anthony Kronman escreveu The Assault on American Excellence, que já mencionei nesse espaço. Volto ao excelente livro para destacar essa questão específica, da importância de tolerarmos mementos de um passado imperfeito como lembrança de que somos, nós também, seres falíveis. Ele usa o conceito de “mente expandida” de Hannah Arendt para justificar a importância de não tentarmos apagar ou reescrever o passado por lentes modernas, limitando assim o escopo de visões possíveis de mundo.

“Na medida em que permanece vivo entre nós, o passado tem o poder, talvez mais do que qualquer outra coisa, de sacudir-nos do torpor bovino que o espírito do politicamente correto induz – alargar nossas mentes a possibilidades que estão fora da faixa de alcance de uma imaginação cada vez mais empobrecida”, escreve o autor. Ou seja, conviver com esses resquícios do passado nos torna mais capazes de aceitar a ambiguidade da vida, até mesmo desenvolver um apreço por ela, algo fundamental dentro dos muros universitários.

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Antes de organizar um protesto para derrubar uma estátua de algum “pai fundador”, caberia ao jovem ser menos arrogante e tentar compreender o contexto da época

O passado é particularmente desafiador porque nos confronta com o espetáculo de homens e mulheres cujos valores, hábitos e crenças eram muito diferentes dos nossos e, no entanto, eles eram seres humanos como nós. Esta é uma tensão frutífera, segundo Kronman.

Alguns querem fazer tábula rasa da história; adotam, de forma arrogante, a premissa de que sabem muito mais do que nossos antepassados e têm muito pouco a aprender com eles. Nós viveríamos na era das luzes, enquanto eles eram uns supersticiosos ignorantes, mergulhados nas trevas. Eles nem imaginavam que menino e menina são apenas construções sociais, vejam só que absurdo! Essa é a típica visão iluminista dos “progressistas”, que faz pouco caso das tradições.

Mark Mitchell, em The Limits of Liberalism, mostra como pensadores modernos como Francis Bacon e Descartes inauguraram esse tipo de mentalidade, com base em métodos que eliminavam a necessidade de levar em conta o acúmulo de conhecimento, a tradição. Partindo do “eu” interior, usando somente a razão como instrumento epistemológico, eles julgaram ser possível desenhar todo um fundamento novo para a filosofia.

Na era do narcisismo, com fluxo contínuo e ininterrupto de informação, é natural os mais jovens acharem que sabem tudo, algo que já seria característica comum na juventude. Some-se a isso a vitimização crescente na sociedade, que fica ofendida com tudo, até com “microagressão”, e o subjetivismo exacerbado, que confunde nossos desejos com a realidade, e temos esse quadro desolador nas universidades. Em vez de entrar com humildade nos templos do saber, muitos jovens chegam se achando o máximo, desprezando o passado, e cuspindo no legado da civilização que herdaram sem muito esforço.

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Viver com ambiguidade, porém, é melhor deixando até os memoriais mais dolorosos lá, gerando desconforto no meio da vida cotidiana. Eles lembram a todos que passam que somos “vasos quebrados”, que o mundo dos negócios humanos é governado pela lei das consequências não intencionais, cuja operação é mais fácil de ver olhando para trás do que para a frente, onde a ilusão de controle é fortalecida pelo vazio do futuro.

A maturidade exige essa compreensão, a aceitação de que o passado não aconteceu de acordo com nossos ideais e que, muito provavelmente, o futuro também não será dessa forma idealizada. Como nos verão no futuro? Será que nos terão em tão alta conta assim? A tendência natural diante dessa ambiguidade é tentar ignorá-la ou suprimi-la, para evitar o desconforto, mas a busca da excelência da alma demanda uma postura diferente. Era o que Arendt, como dito, chamava de “mentalidade expandida”.

Para Kronman, isso seria uma tolerância à ambiguidade e algo distinto da ausência de preconceito ou mesmo da simpatia pelas vítimas de injustiças sociais que hoje se pensa frequentemente ser a essência da tolerância. Essas são qualidades importantes, diz o autor, indispensáveis ​​no câmpus e fora dele. Mas não são a mesma capacidade de viver com ambiguidade.

Kronman conclui: “A iniciativa de restringir o discurso no câmpus em nome do respeito e da inclusão; a transformação da diversidade de um valor político para um pedagógico; e a exigência de que o passado seja renomeado para adequar-se ao nosso atual entendimento de igualdade são sintomas da invasão cada vez mais agressiva da política democrática na vida acadêmica. São as manifestações de um ataque geral e intensificado ao ideal aristocrático subjacente à tradição humanista”.

Trocando em miúdos: antes de organizar um protesto para derrubar uma estátua de algum “pai fundador” por ele ter tido escravos, numa época em que a escravidão era a norma no mundo, caberia ao jovem ser menos arrogante, tentar compreender o contexto da época, observar aqueles acontecimentos históricos com uma lente mais imparcial, tentar se colocar dentro daquele cenário. Isso levará a uma abordagem bem mais humilde, evitando o constrangimento pela estupidez de se julgar moralmente superior a um Thomas Jefferson, digamos, só porque gritou palavras de ordem numa manifestação enquanto matava aula.

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Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.