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Pensar sobre o papel da universidade em nossos dias implica distinguir a instituição que temos daquela que queremos ter.

Em nível de desejo, a universidade é um centro de estudo, aprofundamento e criação de saberes e de fazeres. A ela cabem a produção do conhecimento e a capacitação de atores sociais. Nela estão, em princípio, os profissionais mais especializados para promover o avanço das ciências e das humanidades. Trata-se de uma instituição que tem (ou deveria ter) a pesquisa como objetivo inicial e final, para que áreas estratégicas do desenvolvimento social, abrangendo desde as tecnologias de ponta até a educação, possam se expandir e consolidar. O conhecimento por ela produzido deve contribuir para solucionar problemas que a sociedade e as empresas não sabem, ou não querem, resolver. Em seu papel, cabe a formação profissional destinada não apenas a atender as demandas do deus mercado, mas voltada a produzir o bem-estar da sociedade, promovendo as mudanças necessárias para a melhoria dos padrões de vida dos brasileiros.

A universidade, numa concepção desejante, deveria ser considerada patrimônio social, invendável e inextinguível, porque representaria, especialmente, a imagem mais valiosa da cultura de seu povo. A aprendizagem nela exercida representa a maneira mais segura de transmitir às gerações futuras o sentido da herança cultural recebida, objetivo mais elevado da educação enquanto processo civilizatório. Cultura que, muito mais que exibição de erudição livresca ou de manifestações de folclore, diz respeito a nossos mitos, crenças, instituições, nossos fazeres diários e, sobretudo, ao imaginário de todas as camadas sociais. Cabe à instituição universitária promover a interculturalidade, transformando-se em amplo espaço de convivência das diferenças.

A universidade teve, e mantém, papel estratégico em todas as sociedades que se revelaram avançadas e capazes de dar respostas aos desafios da História. Não se concebe uma sociedade desenvolvida sem a efetiva participação e liderança de uma universidade produtiva e reconhecida.

Um modo efetivo de distinguir o papel dessa instituição tem a ver com sua responsabilidade social e científica, decorrente da tradição e da adequação à nova sociedade do presente. No Brasil, a experiência universitária, embora recente, tem refletido as mudanças decorrentes das transformações sociais. Até os anos 1970, ter um diploma universitário era assegurar um futuro de sucesso, diferentemente da atualidade, em que o desemprego desconhece (e desdenha) diplomas. A fila dos sem emprego é composta tanto por graduados, quanto por pessoas sem escolaridade.

Além disso, as matrículas não chegam a 11% dos estudantes que iniciam o ensino fundamental, sem contar a alta taxa de desistência e evasão ao longo do período universitário e que atinge 40% dos alunos!

Os velozes avanços da ciência, com o envelhecimento igualmente rápido das tecnologias, fazem com que o saber científico adquirido entre em colapso e se deteriore em curto espaço de tempo. O diploma pode ser vitalício, mas o conhecimento perde validade muito rapidamente. Como conseqüência, o graduado se vê obrigado a buscar formação continuada, em nível de extensão, especialização ou pós-graduação. O próprio conhecimento abrigou-se em outros registros e suportes. A informática modificou extraordinariamente o acesso ao saber e aos recursos tecnológicos de desenvolvimento e registro de pesquisas. Assim como alterou o papel do professor, exigindo o abandono de um discurso expositivo para uma postura de mediador do conhecimento. Deslocou para plano secundário a informação para exigir criticidade e desempenho inovador dos universitários e futuros profissionais.

Outros papéis se fazem necessários na atualidade para a sobrevivência das instituições universitárias: o de democratizar o acesso, o de trabalhar com a multiculturalidade, o de capacitar profissionais para aprender e desaprender, para responder e, especialmente, perguntar, o de integrar a subjetividade ao conhecimento, o de buscar a excelência do desempenho sem o ônus da perda da individualidade e da cidadania.

O grande desafio da educação universitária atualmente é renovar a instituição, para que os estudantes deixem de ser indivíduos cujo método de estudo é o recorta-copia-e-cola para transformá-los em profissionais auto-educáveis, capazes de escolher e julgar, e, sobretudo, porosos às necessidades coletivas.

Marta Morais da Costa é professora doutora em literatura brasileira pela USP; coordenadora do curso de Letras da PUCPR; e professora master do mestrado e doutorado da UFPR.

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