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A saúde mental das meninas precisa ser levada a sério. Elas enfrentam desafios que resultam da sobreposição de vulnerabilidades relacionadas tanto à fase da vida em que se encontram quanto às expectativas e pressões que recaem sobre elas. A infância e a adolescência são períodos cruciais para o desenvolvimento emocional e psicológico, e as meninas estão mais expostas a fatores que impactam negativamente sua saúde mental, às pressões sócio-estruturais como padrões irreais de beleza, sobrecarga de responsabilidades aferidas ao gênero feminino e maior exposição a violências e assédios.
Dados da última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) revelam essa realidade preocupante de quase 11,8 milhões de estudantes entre 13 a 17 anos das escolas públicas e privadas no Brasil. Entre as meninas entrevistadas, 27% avaliaram negativamente sua saúde mental, enquanto apenas 8,6% dos meninos relataram o mesmo. Além disso, 48% das meninas afirmaram sentir-se tristes sempre ou na maior parte do tempo, comparado a 17,4% dos meninos. O dado mais alarmante é que 29,6% delas, cerca de 1.8 milhões de meninas, disseram já ter sentido que a vida não valia a pena ser vivida, mais do que o dobro da proporção observada entre os meninos (14,1%).
A aprovação do PL 329/2025 representaria um avanço significativo na proteção da saúde mental das meninas no Brasil. Mais do que um conjunto de medidas pontuais, trata-se do reconhecimento institucional de que essa questão precisa ser abordada de forma estruturada e contínua
Apesar da gravidade desse cenário, a saúde mental das meninas ainda recebe pouca atenção no debate das políticas públicas. A intersecção entre infância e adolescência com as barreiras enfrentadas por meninas as torna mais suscetíveis a desafios psicológicos, mas as políticas e programas nem sempre consideram essas especificidades. Para garantir um suporte adequado, é essencial que o poder público implemente políticas baseadas em evidências e melhores práticas internacionais.
Para começar a transformar essa realidade, apresentamos o projeto de Lei 329 de 2025 na Câmara dos Deputados, que tem como objetivo instituir a Política Nacional de Promoção de Fatores de Proteção da Saúde Mental de Meninas. Trata-se do primeiro e único projeto apresentado nesta legislatura com esse olhar específico, resultado do desejo do gabinete da deputada Rosângela Moro e da missão do Instituto Cactus de tirar a invisibilidade da saúde mental das meninas.
A construção do projeto envolveu uma ampla revisão de literatura sobre fatores de risco e práticas de promoção da saúde mental para meninas no Brasil e no mundo, além de consultas com especialistas e organizações que atuam na defesa dos direitos das meninas. Também foram realizadas rodas de conversa com adolescentes do movimento GirlUp, a fim de compreender suas percepções sobre o tema e identificar soluções que fizessem sentido para elas em prol de todas elas.
Não se trata de reinventar a roda, mas de aprimorar políticas já existentes, incluindo um olhar para a promoção da saúde mental das meninas nas estruturas e nos equipamentos públicos. O texto também busca uma abordagem educativa e inclusiva para suas ações, visando ampliar seu alcance e o engajamento da sociedade.
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O projeto de lei se estrutura em quatro pilares principais. O primeiro é o uso responsável das redes sociais. Evidências apontam que as redes sociais impactam de forma mais intensa a autoestima e a saúde mental das meninas. Elas estão mais expostas a crimes digitais, como cyberbullying e compartilhamento não autorizado de imagens ou vídeos íntimos. O relato das meninas é de que elas gostariam de poder discutir os efeitos das redes sociais e saber como se proteger nesse universo online. O projeto propõe a inclusão da educação digital na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), abordando o uso seguro das redes sociais e prevenção de violências online.
Outro pilar é o apoio de pares. Estudos demonstram que programas de apoio entre meninas ajudam na redução da ansiedade, fortalecem a resiliência e geram mais empatia entre as participantes, além do potencial para melhorar o desempenho acadêmico e reduzir a evasão escolar. Entretanto, as meninas relataram que têm dificuldade de se abrir de maneira mais profunda com as amigas em seu dia a dia. O projeto de lei propõe a institucionalização de espaços de troca e acolhimento nas escolas, formalizando sua existência e estabelecendo uma rotina periódica de atividades.
Estabelecer pontos focais para as meninas é outro pilar do projeto. A vergonha, a insegurança e a falta de apoio adequado são principais barreiras para que meninas vítimas de violência façam denúncias. As meninas relatam que, apesar das escolas já terem a função de encaminhar os casos de violência e abuso aos órgãos competentes, elas ainda não se sentem motivadas ou confortáveis para denunciar episódios de violência no ambiente escolar. O projeto propõe que cada escola designe profissionais treinados para acolher, orientar e encaminhar denúncias de violência contra meninas, promovendo um ambiente mais seguro e responsivo.
Por fim, uma educação física amigável. A prática de atividades físicas é um fator protetor para a saúde mental, mas muitas meninas relatam se afastar das aulas de educação física devido à falta de opções que atendam aos seus interesses e necessidades, destacando ainda a importância do papel engajador dos profissionais da área. O projeto propõe a diversificação das atividades oferecidas e a capacitação de professores para tornar o ambiente esportivo mais acolhedor para as meninas.
A aprovação do PL 329/2025 representaria um avanço significativo na proteção da saúde mental das meninas no Brasil. Mais do que um conjunto de medidas pontuais, trata-se do reconhecimento institucional de que essa questão precisa ser abordada de forma estruturada e contínua. Ao integrar esse tema às políticas públicas, damos um passo essencial para que as meninas cresçam em um ambiente mais seguro, acolhedor e propício ao seu desenvolvimento. Que esse projeto sirva não apenas como resposta à urgência dos dados, mas como um compromisso permanente com o futuro das meninas e, consequentemente, com o futuro do país.
Rosângela Moro é deputada federal (União-SP) e advogada. Fundadora e presidente da Frente Parlamentar Mista da Inovação e Tecnologias em Saúde para Doenças Raras (ITECRaras); Maria Fernanda Resende Quartiero é fundadora e diretora-presidente do Instituto Cactus, é uma investidora social com mais de 20 anos de experiência em filantropia e impacto social.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



