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O Brasil gasta bilhões de dólares para descobrir poços de petróleo e explorá-los, mesmo sabendo que cada um deles provoca a maior das violências já cometidas contra a humanidade: o aquecimento global e a destruição da vida no planeta. Nem por isso, alguém propõe abortar um novo poço de petróleo: tapá-lo para reduzir a violência ecológica. Mas o aborto de crianças é proposto como forma de reduzir a violência urbana. Não como um direito de escolha da mulher.

Aceitar a idéia de que o aborto em mulheres pobres reduziria a criminalidade abre margem a discussões muito graves. Por exemplo, se um aborto pode ajudar a reduzir a criminalidade; assassinar legalmente, por meio da pena de morte, aqueles que já cometeram crimes poderia ser também um instrumento justificado. A possibilidade de aborto nos bairros onde a violência é resultado do tráfico pode justificar o aborto nos bairros onde estão os consumidores das drogas. Afinal, a criminalidade do tráfico tem duas pontas: os que nasceriam para traficar e os que nasceriam para consumir.

O aborto como mecanismo de redução da criminalidade aborta o enfrentamento correto dos problemas brasileiros. Não permite ver o aborto legal invisível, permanente e sistemático que existe neste país: o aborto da inteligência. Provocando pela omissão pública que impede os cérebros de nascerem. O corpo nasce na maternidade, o cérebro nasce na escola. Dos 185 milhões de brasileiros, pelo menos 155 milhões de cérebros já foram ou serão abortados, impedidos de receber uma boa educação. Aborto que já existe há cinco séculos no Brasil e ameaça o futuro do nosso país, porque essa é a grande energia que teríamos disponível, se não for abortada.

Mas tentando reduzir a violência, alguns falam em abrir clínicas legais de aborto para que não nasçam crianças, sem falar em abrir escolas de qualidade para evitar o aborto de cérebros. Há dez meses, os atuais governadores estão enfrentando a violência que herdaram do passado. Poucos tiveram a coragem necessária de levar a polícia, mas sem levar escolas aos morros, favelas. Nenhum implantou horário integral para tentar impedir o aborto intelectual.

Isso está paralisando a economia. O Brasil crescerá cada vez menos por falta de cérebros que façam funcionar a nova economia baseada no conhecimento. Além disso, impede os jovens sem educação de terem oportunidade de emprego e leva-os à tentação da criminalidade como forma de sobrevivência. O jornal O Globo do dia 27/10 mostrou que, de 1,5 milhão de postos de trabalho, apenas 720 mil foram preenchidos; 780 mil continuam vagos por falta de pessoal qualificado para exercer as atividades.

É a falta de oportunidade, o aborto cerebral dos nossos jovens, que faz com que muitos deles terminem na criminalidade, por falta de alternativa.

Daqui a poucos anos, não haverá mais poço com petróleo. Precisaremos de capacidade intelectual para inventar fontes alternativas de energia que substituam o petróleo. Mas, de uma maneira estúpida, exploramos todos os poços de petróleo na maior velocidade possível, apesar da violência que a queima desses poços provoca, e propomos tapar o nascimento de nossas crianças, apesar de nosso futuro estar nesse maravilhoso poço de energia que é a massa cinzenta dos cérebros de nossos habitantes.

Talvez, essas lógicas absurdas que orientam a política brasileira sejam a maior prova do sistemático aborto da inteligência chegando aos que fazem política no Brasil.

Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília (UnB) e senador pelo PDT/DF.

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