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Uma juíza condenada pelo CNJ por tentar antecipar um parto – e querer salvar um bebê

(Foto: Hollie Santos/Unsplash )

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“Alô? Casa de Aborto Feto Feliz, gostaria de falar com quem?” Espirituoso, era assim que, na minha juventude, meu ortodontista atendia as ligações em seu consultório. Uma brincadeira que hoje seria tida como politicamente incorreta, no fundo, servia para nos alertar sobre a realidade do aborto através da contradição de seus termos. Afinal, em um local onde se realizam abortamentos, o feto é, certamente, a última pessoa que poderia se considerar feliz.

Naqueles tempos, por mais que meu ortodontista repetisse aquela piada, ninguém passava a acreditar que o bebê se sentiria bem em uma clínica abortiva. O significado de matar era matar e todos, sem exceção, tinham plena consciência disso. Nessa época, a comunicação velava pelo real sentido das palavras, o que favorecia o entendimento e nossa percepção das coisas, fazendo com que percebêssemos que tudo não passava de uma brincadeira.

O CNJ está definindo que o aborto é o único caminho. Aquiesceram com a morte de uma criança de 32 semanas carbonizada quimicamente e, ainda, determinaram que as próximas também deverão ter o mesmo destino

Atualmente, entretanto, pessoas e instituições têm se valido de uma sorrateira técnica que visa moldar as consciências de modo inescrupuloso. Por meio de eufemismos de sonoridade funcional e enganosa, buscam dissimular suas intenções, criando expressões que disfarçam o seu real significado. Assim é que, ao invés de se referirem ao aborto, criam termos como “direitos sexuais reprodutivos” ou ainda, “interrupção voluntária da gravidez”, dentre outros. Se na inocente brincadeira do ortodontista já se evidenciava que o jogo de palavras era intencionalmente colocado de forma jocosa, aqui, nestes neologismos ardilosos, grande parte da população não consegue notar a armadilha.

No entanto, às vezes, aqueles mesmos que criaram o malicioso vocábulo caem na própria emboscada, tal como aconteceu com a expressão “interrupção voluntária da gravidez”: para amenizar o impacto de estar decidindo sobre o abortamento de crianças, nosso Judiciário passou a utilizar “interrupção voluntária da gravidez” em todos os processos e nós, então, nunca mais ouvimos falar no tal “aborto”. Ministros de nossas cortes superiores, desembargadores, juízes, promotores e defensores públicos repetiam em uníssono e bom som aquelas belas palavras que substituíram, por um bom tempo, o obsceno e carregado termo “aborto”.

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O problema surgiu quando os adeptos da liberação do aborto passaram a almejar que este procedimento pudesse acontecer em qualquer idade gestacional. Como acima de 22 semanas de gestação a criança é periviável, com condições de sobreviver fora do útero materno, a literatura médica e a razoabilidade indicavam que não se deveria realizar a morte do bebê, bastando que se procedesse à interrupção da gravidez através do parto antecipado da criança.

Esta prática médica, aceita mundialmente, garante o interesse da criança em ter sua vida preservada e, ao mesmo tempo, assegura o desejo da mãe (que, por exemplo, foi vítima de um estupro), em se livrar daquela gravidez indesejada. Como se vê, a antecipação do parto também é uma forma de interrupção voluntária da gravidez, diferindo do aborto pelo fato de que neste há um procedimento prévio de se injetar uma substância salina no coração do bebê para queimá-lo quimicamente de dentro para fora, ocasionando seu falecimento antes de sua retirada do ventre.

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Assim, por motivos que a razão desconhece, com o único intuito de provocar deliberadamente a morte dos bebês acima de 22 semanas é que alguns integrantes de nossa justiça, de repente, voltaram a usar o verbete “aborto” no lugar de “interrupção voluntária da gravidez”.

E este é o mote da condenação do Conselho Nacional de Justiça à juíza do Tribunal de Santa Catarina, Joana Ribeiro Zimmer. Para os atuais integrantes do CNJ, naquele caso de Tijucas (SC), a interrupção voluntária da gravidez pela antecipação do parto era algo inconcebível. Só o abortamento se mostrava como a opção aceitável. Com uma visão completamente deturpada do que prevê nosso Código Penal, os conselheiros do CNJ, condenaram a juíza, por unanimidade, e aderiram à falsa ideia de que quando se está diante de um estupro, é obrigatória a realização do aborto, interpretação absolutamente distorcida da lei que coloca a possibilidade do abortamento como uma simples opção à vítima da violência.

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Desse modo, por não ter centralizado sua abordagem à menor oferecendo unicamente a opção de abortar a criança em seu ventre, a juíza foi condenada pelo CNJ. A esta juíza – e a todos os outros integrantes do Judiciário – ficou claro que a interrupção voluntária da gravidez pela antecipação do parto não é mais uma possibilidade viável: o CNJ está definindo que o aborto é o único caminho. Aquiesceram com a morte de uma criança de 32 semanas carbonizada quimicamente e, ainda, determinaram que as próximas também deverão ter o mesmo destino.

Mas não é só isso. O Conselho Nacional de Justiça é, por excelência, o órgão responsável por zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura. Sua singular importância na organização política de nosso país é por todos reconhecida, mas este julgamento, infelizmente, se deu de forma completamente açodada, revelando que o próprio relator do processo contra a juíza não tinha conhecimento do que estava nos autos.

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Assistindo à sessão de julgamento já disponibilizada na internet, a par das críticas que poderiam ser dadas às afirmações feitas onde o relator emite sua opinião e censura a juíza por ela ter tentado “humanizar” a situação e ter dito à menor de idade que “daquela gestação poderia gerar um lindo bebê, que poderia ser colocado à adoção” (cumprindo a lei de entrega legal, portanto!), restou evidente que o próprio relator não tinha domínio do caso.

Com efeito, ao se referir à decisão judicial que havia sido proferida, o relator do caso contra a juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou que havia uma autorização para abortar quando, em verdade, havia uma autorização judicial para salvaguardar as duas vidas, ou seja, para que se realizasse a antecipação do parto. Veja-se: não havia autorização judicial para a realização do abortamento! Isso é algo essencial e que muda todo o conjunto fático dos acontecimentos, mas o próprio relator desconhecia este fato.

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Outro detalhe que demonstra a completa ignorância dos fatos ocorridos naquela época é a afirmação do relator de que o abortamento deste caso teria se dado em Recife, sendo que, de fato, o assassinato da criança se deu no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da UFSC. O abortamento feito em Recife (PE) foi o do caso de São Matheus (ES) que aconteceu anos antes e tal confusão revela claramente que o relator não tinha posse de todas as informações contidas nos autos e, por isso, não detinha condições de exercer um juízo imparcial e seguro em seu julgamento.

Ou lhe foram negadas as informações completas do caso ou ele se omitiu em se inteirar completamente do caso que lhe foi atribuído relatar e isso é extremamente grave. A magnitude da importância do Conselho Nacional de Justiça não pode ficar fragilizada em uma decisão completamente dissociada dos fatos que realmente aconteceram. Isso debilita não só a instituição do CNJ como também todo o Poder Judiciário.

Tendo sido julgada, não se tem notícias se a juíza irá recorrer de tal condenação. Ao que consta, ela é extremamente reservada e deve, com razão, temer represálias. O que se espera é que o Ministério Público Federal ou até mesmo o CNJ, de ofício, reveja as nulidades deste julgamento contra a juíza, pois, do contrário, o indesejável incremento de abortamentos suscitados por esta infeliz decisão resultará, quem sabe, num futuro próximo, no surgimento de clínicas abortivas cuja designação, obviamente, não poderá ser “Casa de Aborto Feto Feliz”.

Danilo de Almeida Martins é defensor público federal.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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