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Por definição, acumulador é a pessoa que junta objetos sem propósito definido e os mantém em seu poder. Diferentes dos colecionadores, que são pessoas que acumulam algum tipo de objeto com algum propósito e, eventualmente, a fim de incrementar o número ou valor de sua coleção, trocam ou vendem itens que possuem, acumuladores são tidos pela ciência como pessoas portadoras de distúrbios psíquicos e que requerem tratamento.

E não só objetos são acumuláveis! Atualmente, as escolas de Psiquiatria e Psicologia identificam acumuladores de animais. Outrora tidos como protetores, pessoas que retiram animais das ruas com a finalidade de prover melhores condições podem ser classificadas em alguns casos como acumuladores. Mas o que distingue um acumulador de um protetor?

Basicamente, o que os distingue é a questão do respeito ao bem-estar dos animais e daquele que os guarda. Acumuladores de animais são pessoas que, a partir de um evento traumático (perda de um ente querido, separação, perda do emprego), começam a adquiri-los indiscriminadamente. De modo geral, os acumuladores não acumulam somente animais, mas objetos sem sentido como materiais recicláveis, embalagens, comida ou qualquer outro item.

Acumuladores, diferentemente de protetores, não se esforçam para conseguir um lar para os animais que retiram das ruas. Inversamente, se recusam a doar ou entregar qualquer bem sob sua posse, seja um animal ou um dos objetos que mantêm em sua casa.

Com o passar do tempo, a incompatibilidade social e as condições do ambiente do lar dos acumuladores se tornam tão inóspitas que o convívio é cada vez mais impossível. Impedidos psicológica e involuntariamente de se relacionar com a sociedade, os acumuladores acabam por adotar um estilo de vida perigoso e cada vez mais degradante. Suas casas passam a ser risco constante. Roedores e outros animais sinantrópicos (aqueles que não são de estimação, mas habitam as cidades – ratos, cobras, escorpiões, baratas, aranhas...) encontram no lixo acumulado um lar seguro e profícuo. O acúmulo do lixo aumenta o risco de inundações e incêndios. O acumulador corre sérios riscos de desenvolver enfermidades graves devido à presença constante de vetores e à falta de higiene. O pouco caso com a moradia que essa enfermidade desencadeia resulta em manutenção precária das casas e, não raramente, risco de desabamento.

Como os acumuladores vão "resgatando" animais indiscriminadamente, eles vão se acumulando e reproduzindo-se também indiscriminadamente. O pouco caso com a saúde e limpeza faz com que surjam enfermidades contagiosas entre os animais e que a situação na casa seja incompatível com a vida digna de uma pessoa ou animal. O acumulador perde sua sala, sua cozinha, seu quarto, seu banheiro e sua cama. Para o lixo. De modo geral, acumuladores não têm noção de sua condição, apesar de sempre dizerem que precisam dar um jeito na situação e que tudo fugiu do controle não se sabe como.

Apesar de espantosa a descrição, existem milhares de acumuladores de animais e objetos precisando de apoio e cuidados. Por se tratar de um distúrbio psíquico, essas pessoas precisam de tratamento e acompanhamento.

A abordagem aos acumuladores precisa ser multiprofissional. Agentes da Vigilância Sanitária devem ser acionados para o controle de pragas e insetos que se acumulam. A Defesa Civil, para inspeção e análise da casa, que muitas vezes é condenada e precisa ser demolida. Médicos, psicólogos e terapeutas ocupacionais precisam abordar o acumulador para instituir tratamento e acompanhamento; veterinários e agentes de proteção animal, para a remoção, tratamento e destinação dos animais acumulados.

Assim como o alcoólatra e o adicto, o acumulador precisa de acompanhamento e suporte constantes. Recaídas podem desencadear o comportamento acumulador novamente e todo o processo se reinicia.

Além de ser danoso para a pessoa que sofre dessa enfermidade e para os animais que o acumulador mantém, esse comportamento interfere, às vezes, na rotina de toda a vizinhança. As pragas que se acumulam no lixo se espalham para outras casas; os animais acumulados quase sempre têm livre acesso à rua e podem causar transtornos e sujeira; e a presença do terreno cheio de lixo atrai marginais – marginais e pessoas sem o mínimo de consideração, que, por preguiça ou maldade, estimulam o comportamento acumulador entregando materiais "recicláveis" ou abandonando animais ou ninhadas indesejadas na casa do acumulador.

A proposta é que se crie uma força-tarefa multidisciplinar com profissionais treinados para abordar e amparar esses acumuladores; que, a partir de denúncias, eles possam ser identificados como tais ou em potencial; e que, após a abordagem e providências, essas pessoas, mapeadas e monitoradas, possam ter o devido acompanhamento de profissionais e familiares para diminuir o risco de recaídas. Essas medidas, aliadas à educação continuada dos adultos, à formação das crianças e à ação conjunta do poder público podem ajudar a construir uma sociedade mais harmoniosa e humanitária com reflexos positivos para todos que nela convivem.

Fernando Ibañez, médico veterinário especializado em Ortopedia, responsável pelas duas unidades do Hospital Veterinário Público de São Paulo, professor da Universidade Federal do Paraná e presidente da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo

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