
Ouça este conteúdo
Nos próximos dias, o ministro Luís Roberto Barroso deixará o Supremo Tribunal Federal (STF) após anos de intensa atuação nas mais diversas causas morais e jurídicas do país. Sua saída, contudo, não encerra as controvérsias que o cercam. Segundo noticiado pela imprensa, Barroso cogita deixar pronto seu voto pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação como um de seus últimos atos antes de se aposentar, assim como fez a ex-ministra Rosa Weber.
Não seria a primeira vez que o ministro manifesta publicamente sua posição sobre o tema. Em entrevistas e palestras, Barroso já declarou que considera “equivocada e perversa” a criminalização do aborto (Roda Viva, 2024) e que “nenhum país desenvolvido criminaliza o aborto”. Em aula magna na PUC-Rio, afirmou que a criminalização “não serve para nada”. Em outra ocasião, na Brazil Conference de Harvard, declarou que a mulher deve ter “o direito de querer ou não querer engravidar”, relacionando isso à igualdade de gênero.
Se Barroso insistir em deixar seu voto pela descriminalização do aborto como 'ato final', seu gesto servirá apenas para confirmar o quanto o Supremo tem se distanciado de sua missão de guardião da Constituição
Essas declarações públicas deixam claro que o ministro não é um espectador neutro da matéria. Sua visão sobre o aborto reflete uma postura ideológica segundo a qual o Estado deve retirar toda limitação penal à prática, substituindo o valor da vida por uma noção de “autonomia reprodutiva” desvinculada de fundamentos éticos e transcendentais.
A questão ganha relevância porque Barroso é o atual presidente do STF, e é ele quem controla a pauta de julgamentos. O caso da ADPF 442, proposto pelo PSOL em 2017, encontra-se pendente de decisão definitiva. Essa ação pede que o Supremo declare não recepcionados os artigos 124 e 126 do Código Penal – que são os artigos que criminalizam o aborto – de modo que a interrupção voluntária da gravidez até as 12 semanas deixaria de ser crime em todo o país.
Em setembro de 2023, a então relatora, ministra Rosa Weber, votou a favor da descriminalização do aborto nesse período inicial da gestação. Seu voto, longo e mal articulado, utilizou o argumento da “proporcionalidade” para afirmar que punir a mulher seria uma violação da dignidade humana. No entanto, essa argumentação ignora o ponto central da questão: o feto, ainda que em estágio inicial, é um ser humano em desenvolvimento, portador de vida e dignidade. O direito à vida não é uma questão de semanas ou de conveniência, mas um valor absoluto reconhecido pela própria Constituição Federal, que protege a vida “desde a concepção”, conforme o entendimento consolidado em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
O perigo da ADPF 442, que pode receber um voto de Barroso, é duplo. Em primeiro lugar, representa uma ameaça direta ao direito à vida dos nascituros, que se tornariam vulneráveis a um sistema que os nega como sujeitos de direitos. Em segundo lugar, revela uma perigosa tendência de usurpação de competências – o Supremo Tribunal Federal, órgão criado para guardar a Constituição, passa a legislar, mais uma vez, sobre um tema que cabe ao Congresso Nacional. Ao decidir dessa forma, o STF se coloca acima da própria Constituição, substituindo o debate democrático por um decreto judicial.
O aborto é uma tragédia humana e moral que destrói vidas e fere consciências. Transformá-lo em um “direito” é inverter os valores sobre os quais nossa sociedade foi fundada. A defesa da mulher e da vida não se opõem – ao contrário, caminham juntas quando o Estado oferece amparo, acolhimento e alternativas reais à gestante em situação de vulnerabilidade.
Por isso, é urgente que a sociedade brasileira permaneça vigilante. O STF não tem competência para legislar sobre aborto. Cabe ao Congresso, representante do povo, discutir e deliberar sobre matérias dessa natureza. Que não se permita que decisões isoladas de ministros, amparadas em convicções pessoais e pressões ideológicas, imponham ao país a legalização da morte disfarçada de liberdade.
A saída do ministro Barroso poderia marcar o encerramento de um ciclo de ativismo judicial que ameaça a soberania do Parlamento e o direito fundamental à vida. Se, porém, ele insistir em deixar seu voto pela descriminalização do aborto como “ato final”, seu gesto servirá apenas para confirmar o quanto o Supremo tem se distanciado de sua missão de guardião da Constituição, tornando-se, cada vez mais, um legislador de toga.
Ramon de Sousa Oliveira é pastor presbiteriano e autor do livro “O Valor da Vida”.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



