Parece atolado, avança aos trancos, no sufoco, com a sirene ligada, em clima de emergência. A existência de uma fortíssima base de apoio parlamentar não consegue oferecer ao governo os instrumentos para garantir a execução de projetos minimamente articulados.

CARREGANDO :)

O "médio prazo" esgotou-se, agora tudo leva a chancela "para ontem". A coligação majoritária converteu-se num fim em si mesmo – assegurar a reeleição da primeira mandatária graças a um colossal esquema de propaganda eleitoral. O resto ajeita-se depois, no varejo.

O tranco mais recente – e inédito – foi oferecido pelo incrível Guilherme Afif Domingos, legítimo pastiche do servidor de dois patrões inventado há cerca de quatro séculos pelo gênio teatral de Jean-Baptiste Poquelin, vulgo Molière. Afif quer servir simultaneamente ao governo e à oposição, alheio às gritantes contradições, incapaz de enxergar o conflito de interesses, avaliar a indecência e atinar com as razões da celeuma que levantou. Alega que tem uma causa e, por ela, está disposto a enfrentar todos os dissabores.

Publicidade

A "causa" de Afif Domingos é a Pequena e Microempresa. Qual é o seu passado como empreendedor, empresário, economista, ativista social, visionário, líder político? Sua vida profissional resume-se à Indiana Seguros, de propriedade da família e fundada antes de seu nascimento. Em matéria de negócios, Afif é o clássico cartola, sempre à sombra do poder político e à cata de oportunidades para faturar as sobras. É certo que participou da criação do Simples, sistema de tributação diferenciado para servir de apoio aos microempresários, mas o projeto foi patrocinado e desenvolvido pela Associação Comercial de São Paulo, onde Afif tem assento cativo ora como presidente, ora como diretor.

Afif é apenas o lobista de uma corporação que pretende inventar e tutelar. Os interesses do pequeno empresário coincidem com as necessidades dos grandes negociantes, o Leviatã burocrático é abominado com igual vigor pelos gigantes e pelos anões. Para manter os microempreendedores longe das tentações da informalidade não é preciso criar um ministério e envolvê-lo com tantas suspeitas, basta dinamizar o Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

O hipócrita beija-mão na cerimônia de posse na última quinta-feira foi o flagrante de uma sociedade desprovida de autocrítica e autoestima. A tentativa de compatibilizar o incompatível é ilegal e imoral. Não se trata de mero acúmulo de funções, mas de uma ação concebida para borrar distinções, aumentar as zonas cinzentas e, em última análise, favorecer a geleia do relativismo.

Um vice-governador da oposição a serviço da situação não é propriamente uma jogada eleitoral, mas um maquiavélico expediente para confundir ainda mais um eleitorado atarantado pela profusão de siglas e mal-entendidos ideológicos.

Alberto Dines é jornalista.

Publicidade