| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Pior não poderia ser a notícia recente de que o Brasil abandonará o Pacto Global para a Migração da ONU, assim que o Jair Bolsonaro assumir o Palácio do Planalto. O Pacto é resultado da Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em setembro de 2016, com a adesão do Brasil, e seu objetivo é o de desenvolver um acordo para migração segura, ordenada e dentro da lei – dos países que aderem ao Pacto e do direito internacional.

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Os procedimentos para a execução do Pacto começaram em abril de 2017 e foram finalizadas em julho de 2018, sempre com a participação ativa da diplomacia brasileira. O texto lista 23 princípios, entre os quais estão “reforçar a resposta ao tráfico ilícito de migrantes” e o preceito de que a “detenção de migrantes aconteça apenas como último recurso, depois de não exitosa nenhuma outra alternativa”. Pela sua importância humanitária e econômica, até o momento, 160 países já aprovaram o Pacto, que define apenas princípios a serem observados e não é legalmente vinculante e obrigatório aos países que dele fazem parte, o que foi destacado por Louise Arbour, representante oficial da ONU para temas relacionados à migração internacional: “é surpreendente que tenha existido tanta desinformação sobre o que é e o que diz o Pacto. Este documento não cria nenhum direito de migrar e não impõe nenhuma obrigação aos Estados-membros”.

O fato de os Estados Unidos e outra dezena de países se oporem ao Pacto, no entanto, em nada desmerece ou enfraquece sua importância

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Aprovado por substancial parcela da comunidade internacional, em um mundo cada vez mais conturbado por ondas migratórias gigantes e hordas de estrangeiros vagantes, o Pacto Global e a agenda migratória internacional têm polarizado criticas de nacionalistas hostis a refugiados, inclusive nas pautas eleitorais, com compreensível respaldo de sociedades e eleitores. O fato de os Estados Unidos e outra dezena de países se oporem ao Pacto, no entanto, em nada desmerece ou enfraquece sua importância e capacidade de fazer desse planeta um lugar melhor.

No Brasil, a questão fundamental é saber se eventual posição de hostilidade condiz com o pragmatismo e a prudência que a política externa requer quando está em jogo a gestão de complexos interesses internacionais da nona maior economia mundial. Como já se disse, mais de 160 países se associaram em manifestação meramente simbólica e, ao mesmo tempo, reconheceram que o problema migratório deve ser enfrentado como questão de política pública e não como problema de polícia.

Cuidando de seus interesses: O Brasil está onde sempre esteve (artigo de Rosane Kolotelo, advogada e professora)

Maior reflexão se exige de nossos lideres na esfera internacional, haja vista que tanto o tratamento constitucional da questão migratória no Brasil como a legislação infraconstitucional que dela se ocupa correspondem a modelos legais exemplarmente avançados: o acesso dos migrantes a serviços básicos, a eliminação de todas as formas de discriminação e a colaboração para facilitar o regresso e a readmissão em condições de segurança, previstas no Pacto, são regras já contempladas pela nossa nova Lei de Migração (Lei 13.445). E nossa legislação vai muito além da simples manifestação de propósitos que o próprio Pacto Global encerra – ela protege, inclusive, os brasileiros no exterior, e declara o caráter multiétnico da nação, formada por migrantes de todos os quadrantes.

Nada muda, juridicamente, se o Brasil estiver ou não perfilado a essa manifestação maciça da sociedade internacional. Ao contrário, a desistência brasileira traz importantes consequências diplomáticas, com indesejável isolamento do país e constrangedor retrocesso na nossa política externa, sempre sóbria, séria, sem excessos e voltada à busca incansável do bem-estar da humanidade.

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Maristela Basso é professora de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP.