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Desde que aqui chegamos, com 18 anos, isso em 1968, Curitiba nos fascina e nos proporciona grandes alegrias e oportunidades. E se no nosso peito bate um coração que ama, este coração jamais haverá de negar amor a esta terra. Se Curitiba não nos serviu de berço, com certeza servirá de túmulo. Ademais, Curitiba, serviu de berço para meus três filhos que também são apaixonados por esta cidade.

Há poucos dias lembrávamos com os amigos Adair Zanatto e Adelino Venturi de momentos pitorescos dos primeiros anos em Curitiba, nas pensões da Rua 13 de Maio e da Riachuelo, com seus beliches apertados, panelas e pratos debaixo da cama e fogareiro elétrico.

Na necessidade de nos mantermos em Curitiba, nós três, jovens tímidos e inexperientes, percorríamos os bairros, de casa em casa, vendendo enciclopédias e livros.

Nós, forasteiros, éramos solenemente ignorados pelas belas "polacas". Coisa de cidade provinciana, puritana – diziam. Sim, essas donzelas tinham que ser blindadas "dos catarinas, dos bugres, dos pés vermelhos" – que em hordas desembarcavam na velha rodoviária do Guadalupe com pouca bagagem e muita esperança de se arranjar na vida. Mas se alguém passasse no vestibular para Medicina, Engenharia ou Direito, tapetes vermelhos eram estendidos: convites para o almoço de domingo.

O tempora! O mores (Ó tempos! Ó costumes!), exclamaria novamente Cícero em suas famosas Catilinárias! Bons tempos e não tão bons costumes, em que cada universitário namorava uma Ingrid e possuía uma Aurora.

Ingrid, a donzela loura, casadoura, seios fartos e naturais, fogo contido. Vigiadíssima pelos pais, que permitiam o namoro no sofá da sala, nas quartas-feiras e sábados, até às 10 h da noite. Cada avanço – lento e gradual – era uma conquista indescritível.

Depois de meses de namoro, obtinha-se a carta de alforria: assistir a filmes no cine Vitória. O retorno para casa era cronometrado pela mãe.

À custa de muito trabalho, obtinha-se o sonho máximo de consumo (financiado em 36 meses): um Fusca, ou um Gordini ou um DKV "2 tempos". Com tala larga, rodas de magnésio, volante esportivo, com diâmetro de 25 cm com a marca Fórmula 1, escapamento aberto e som estéreo (ou mistério).

Dizíamos que o carro tinha 16 válvulas. Mas como 16 válvulas? Sim, 4 no motor e 12 no rádio. Dentro da "caranga", até o "goiabão" se transformava num "pão". Tudo era uma "brasa, mora". Sim, concordo, as gírias soam horríveis aos ouvidos de hoje!

Suprema felicidade: levar a nossa Ingrid para um passeio na Avenida Nossa Senhora da Luz, sem sinaleiros nem radares. Cada troca de marcha, a mão se ampliava e roçava as pernas bem torneadas de Ingrid, que fingia brabeza. A outra personagem, a Aurora, em vaivém percorria a Riachuelo e fazia o que Ingrid negava. Figura pequena, doce, sofrida e, eufemisticamente, diziam que tinha vida fácil!

Bons tempos em que toda moléstia era curada com algumas doses de penicilina. Ou, no insucesso desta, o deprimente infortúnio: massagem na próstata no HC.

Agora que estamos vivenciando o outono da vida, buscamos serotonina, endorfina e equilíbrio emocional em prazerosas caminhadas matinais nos aprazíveis e canoros bosques e parques da cidade. Sabedor do meu esforço, um amigo meu não se contém: "Jacir, trate de salvar a alma, pois o corpo está perdido". E emenda: "se andar fosse bom, carteiro seria eterno".

Curitiba mudou e nós com ela. Sem Ingrid, sem Aurora e não mais a Curitiba dos anos 70... fazendo coro com Dalton Trevisan: "que fim, ó cara, você deu à minha cidade?"

O cinqüentão de hoje já não procura mais o HC, mas o urologista, para detectar um possível tumor na próstata. Ao fazer o exame pela primeira vez, o médico, meu ex-aluno do Colégio Estadual do Paraná, foi espirituoso: "Eh! professor, eu vou fazer com o senhor o que muito aluno gostaria de ter feito".

O tempora! O mores! O decadentia!

Jacir J. Venturi, diretor de escola, professor, é cidadão honorário de curitiba.

www.geometriaanalitica.com.br

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