É bastante claro o movimento geral da oposição ao governo no sentido de se aproximar da "classe trabalhadora" com medidas de caráter populista

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O golpe de 1964 promoveu uma série de reformas na estrutura econômica do país, especialmente no campo tributário e de desenvolvimento do sistema financeiro nacional. No mercado de trabalho, as palavras de ordem dos gestores da economia, a dupla formada por Octávio Bulhões e Roberto Campos, eram a "modernização" e "flexibilização" do mercado. Vale lembrar que, até este momento, os trabalhadores da iniciativa privada que permanecessem mais de dez anos numa mesma empresa adquiriam estabilidade. Dar fim à estabilidade era essencial para promover a modernização do mercado de trabalho brasileiro. Ao mesmo tempo, não era possível simplesmente acabar com a estabilidade; era necessário criar algum mecanismo de proteção dos trabalhadores que a partir deste momento poderiam ser demitidos sem "justa causa" e sem o recebimento qualquer outro tipo de indenização. A criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), a partir da Lei 5.017 de 13 setembro de 1966, se deu neste contexto.

O fundo é formado por depósitos mensais, efetuados pelo empregador, em contas individuais em nome de cada trabalhador. O valor depositado corresponde a 8% de sua remuneração mensal. A movimentação dos recursos do FGTS segue regras rígidas e que refletem, em alguma medida, o seu objetivo original. Grosso modo, os recursos do fundo podem ser utilizados quando ocorre demissão sem justa causa, no falecimento do empregador ou do empregado, na aposentadoria, na presença de doenças graves (neoplasia maligna e HIV) ou de doentes terminais e para a aquisição de moradia própria, liquidação ou amortização de dívida ou pagamento de parte das prestações de financiamento habitacional.

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Pelas regras atuais, a movimentação do FGTS encontra-se, portanto, vinculada ao objetivo central de proteger os trabalhadores das flutuações do nível de emprego. Além desse papel, também cumpre uma função de proteção social em situações específicas (doenças graves e terminais). Finalmente, permite ao trabalhador a acumulação de recursos ao longo de sua vida e/ou a aquisição efetiva de sua moradia.

No entanto, tramita no Congresso Nacional uma proposta de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) que pretende alterar as regras do FGTS, permitindo a movimentação de até 40% do saldo do fundo para o pagamento de dívidas.

O que pode parecer interessante para o trabalhador, sobretudo para aqueles com elevado grau de endividamento, deve ser olhado com sérias restrições. A primeira e mais óbvia é que se altera profundamente a razão da existência do fundo. Ao utilizar recursos para o pagamento de dívidas no curto prazo, o trabalhador estaria descapitalizando o seu patrimônio e tornando mais frágil a sua posição em relação às flutuações no nível de emprego. Nas regras atuais, a contribuição dos empregadores tem o objetivo claramente definido de proteger os empregados das flutuações econômicas. No longo prazo, os empregadores estariam dispostos a contribuir para um fundo do qual 40% seriam destinados ao pagamento de dívidas dos empregados?

Outro problema grave é que a alteração da regra incentivaria a geração de um novo ciclo de expansão de endividamento das famílias, atualmente em torno de 40% do PIB, recorde histórico para a economia brasileira. Há também outras implicações macroeconômicas relevantes. Vale lembrar que os recursos do FGTS são utilizados para promoção de investimentos em habitação, saneamento e infraestrutura econômica. A flexibilização das regras reduziria o volume, já escasso, de recursos disponíveis para investimentos nessas áreas, com impactos sociais e econômicos não desprezíveis.

Finalmente, deve-se destacar o contexto político da proposta. É bastante claro o movimento geral da oposição ao governo no sentido de se aproximar da "classe trabalhadora" com medidas de caráter populista. A recente discussão sobre o salário mínimo – no qual a oposição chegou a defender a demagógica instituição de um piso de R$ 600 – e essa proposta de flexibilização das regras de uso do FGTS devem ser entendidas neste contexto político.

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Em síntese, a proposta de flexibilização das regras do FGTS acarreta vários problemas para o país, mas em especial para os trabalhadores. A proposta em tramitação altera profundamente o sentido de existência do fundo de proteger os trabalhadores das flutuações no nível de emprego e pode no futuro estimular discussões sobre a necessidade de existência do próprio fundo. Mais interessante para os trabalhadores seria a instalação de uma comissão para discutir os mecanismos de remuneração do fundo, já que pelas regras atuais os rendimentos do fundo são substancialmente inferiores as demais aplicações financeiras disponíveis no mercado. No âmbito político a proposta deve ser interpretada no contexto atual de tentativa da oposição, algo desesperada, de aproximar-se dos trabalhadores com propostas de caráter populista.

Marcelo Curado, doutor em Economia, é vice-diretor do Setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPR e bolsista do programa "Cátedras para o Desenvolvimento" do IPEA. Email:curado@ufpr.br