• Carregando...

O brasileiro é um povo amoroso, com o mau hábito de amar a coisa errada. Desde cedo somos condicionados a amar o Estado e o emprego assalariado. O trabalho com carteira assinada é o apego maior das pessoas em busca de uma renda fixa e de segurança. No Estado, a esperança é pela proteção em forma de assistência médica, aposentadoria, seguro-desemprego, bolsa-família e outros.

O problema é que esses dois amores têm vocação para a traição. De um lado, a Previdência Social está condenada a não ter recursos para pagar as aposentadorias e os benefícios prometidos. De outro, o emprego assalariado se tornou instável, inseguro e mal-remunerado. Não é à-toa que estamos com 10 milhões de desempregados e outros 10 milhões com empregos parciais de renda baixíssima, além de quase 50 milhões em empregos informais sem carteira assinada. Há 4,5 milhões de jovens (já incluídos entre os 10 milhões sem emprego) desesperançados, que deambulam pelas cidades sem encontrar um trabalho, uma grande parte com diploma de curso universitário.

Os que lutam por futuro tranqüilo e velhice digna precisam pensar seriamente em mudar seus amores. Nossa cultura está tão impregnada da obsessão por um emprego fixo ou uma vaga no setor público que, em um debate sobre profissões, uma menina dissera gostar de economia e, por isso, se inscrevera no vestibular da Universidade Federal do Paraná. O orientador, do alto da sua "autoridade", fez a seguinte afirmação: "Saiba que é difícil para um economista arrumar emprego". A estudante, sabendo-me economista, inquiriu-me a respeito. Respondi-lhe: "O orientador tem razão. Um economista tem dificuldade em arrumar emprego. Diga para o orientador que você não vai escravizar sua mente a essa cultura do emprego assalariado e que você vai estudar para dar emprego, pois se ninguém virar patrão não existirá empregado".

Não há nada de errado em desejar um emprego e esperar serviços do governo. O erro está em colocar seu futuro nas mãos dos outros. O amor ao emprego e ao Estado, se levado às últimas conseqüências, é um amor de perdição. Sua segurança financeira significa que você deve fazer sua própria poupança e investir nos ativos certos, para ter um fluxo de renda independente do salário. É verbo comum que o Brasil somente crescerá pela educação. Porém, a educação formal não basta. A salvação individual depende de outro tipo de instrução: a "educação financeira".

Para mudar o foco desse "amor de perdição" é importante começar com algumas perguntas: a) que opções tenho além do emprego assalariado e da assistência do governo? b) como posso ganhar dinheiro trabalhando por conta própria ou como empreendedor? c) o que devo saber sobre instrução financeira? Essas perguntam valem, também, para os funcionários públicos que acreditam que a sociedade vai suportar para sempre essa divisão dos brasileiros em duas classes: os funcionários do governo que têm estabilidade no emprego e aposentadoria (quase) integral e os empregados do setor privado que não têm estabilidade e recebem aposentadorias medíocres do INSS. Intriga-me que os próprios funcionários do INSS jamais aceitaram aposentar-se pelo INSS. Esse órgão leva 11% do nosso salário até o teto de oito salários mínimos e mais 20% do patrão sobre o salário integral; mesmo assim, caminha calmamente para a insolvência.

Idiotice é continuar fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Aqueles que depositam confiança excessiva no emprego assalariado e nos benefícios do governo vão amargar traições. Porém, jamais poderão dizer que se trata de uma infidelidade não-prevista. Mas não são todos que irão perceber a realidade. Somente aqueles que conseguem ver com a mente irão enxergar o que vem pela frente. Saint Exupéry disse que "o essencial é invisível aos olhos". E pior: os olhos da ignorância são míopes. A educação financeira pode não ser a tábua da salvação, mas sem ela o naufrágio parece mais certo.

Não espere que a escola vá prover sua instrução financeira ou mudar sua mente para reduzir seu amor ao Estado e à obsessão com emprego assalariado. Caberá a você sair da fila da multidão e marchar ao som do seu próprio tambor.

José Pio Martins é professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (UnicenP).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]