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Os casos de sucesso, ou "cases" como prefere o pedantismo da linguagem corporativa, compõem a fina flor dos debates nos congressos de administração e negócios. Numerosos eventos têm, como parte da programação, a apresentação de empresas tidas como bem-sucedidas, cujas estratégias parecem indicar o caminho da glória e da salvação. Quem fala, em geral, é o suposto do autor da façanha, o que coloca a coisa, de certa forma, sob suspeita.

Duas questões ressaltam: uma é que não existe receita única para o sucesso; outra é que talvez seja mais útil estudar os casos de fracasso, para aprender o que não se deve fazer. Como se sabe, os erros são nossos maiores mestres. A crise financeira mundial é o resultado de uma longa série de erros e equívocos, que merecem ser estudados com faro de detetive, a fim de que se possa compreender como o mundo foi capaz de cometer tantos desatinos, a ponto de jogar o planeta numa onda de problemas como os atuais.

Seria útil que os homens de negócios e os intelectuais se detivessem a estudar os casos de fracasso, a começar pela tentativa de entender como foi possível ao sistema financeiro dos Estados Unidos fazer milhões de operações de financiamento imobiliário a pessoas sem condições de pagar e em valores superiores aos bens financiados. Os detalhes sobre o tema é matéria para outro artigo, mas há informações de que uma das razões não está no liberalismo, como querem fazer crer os socialistas, mas na intervenção do governo sobre a ação dos bancos.

Milhões de contratos de financiamentos foram feitos com clientes conhecidos pejorativamente como "ninja" (os "no income, no job, no assets", ou seja, "sem renda, sem emprego, sem ativos"). Agora, notícias vindas da terra norte-americana dão conta de que, no governo Clinton, a legislação constrangia os bancos a fim de que não negassem crédito aos "ninjas", muitos dos quais já tinham histórico ruim de inadimplência em financiamentos. A cultura americana é a cultura da dívida, da compra financiada, do consumo a crédito.

Se as informações a serem detalhadas confirmarem que o tamanho do problema dos "ninjas" foi decisivo para promover a crise, teremos aí não um fracasso do liberalismo, mas do seu oposto: a intervenção governamental. Não se trata de fazer defesa dogmática das vantagens do mercado livre e desregulado, o qual não é perfeito por definição. Mas sim, entender que essa questão tem que ser examinada sem fanatismo, para que não cometamos o erro de rotular logo um culpado conforme nossas crenças ideológicas. Se a culpa maior couber ao mercado livre, que se estude profundamente a questão e se regulamente o que deve ser regulamentado. Mas, se parte da culpa couber à legislação que levou os bancos a darem empréstimos para clientes "ninja" (de segunda classe), em operações chamadas "subprime" (de maior risco e com juros maiores), aí então devemos ter a honestidade de reconhecer que o governo pode ser mais imperfeito do que mercado.

O fracasso tem sua gênese e sua anatomia. Entendê-las não é tarefa simples, sobretudo porque os erros são tão primários e tão volumosos que algo de estranho há em tudo isso. Quando uma organização bem-preparada comete um erro primário, dá para desconfiar que algo mais existe embaixo do sol do que pode supor nossa vã filosofia. De qualquer forma, o exame dos "cases" de fracasso será um bom exercício intelectual, que são mais difíceis de estudar, pois os seus autores não irão, de forma pronta e altiva, aos congressos de negócios, para explicar as bobagens que fizeram. Pelo contrário, eles tentarão esconder a si e a seus erros.

José Pio Martins, economista, é vice-reitor da Universidade Positivo.

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