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O problema principal a se investigar não é a causa da queda do sistema durante horas e sim entender por que uma ocor­­rên­­cia meteorológica localizada foi capaz de desligar simultanea­­men­­te a energia de mais da metade do país

O apagão da terça feira é muito mais do que uma demonstração da fragilidade do sistema elétrico brasileiro: ele reflete ou uma gigantesca incompetência instalada no país, ou o absoluto anestesiamento da consciência de mui­­ta gente em relação à população em geral. Quem sabe, ambos.

O show de incompetência foi completo e não poupou parte da imprensa, que insistiu em fazer as perguntas erradas ou se satisfez com respostas evasivas. O problema principal a se investigar não é a causa da queda do sistema durante horas e sim entender por que uma ocorrência meteorológica localizada foi capaz de desligar simultaneamente a energia de mais da metade do país, paralisando seus centros nervosos durante várias horas. Quando digo "ocorrência meteorológica localizada", não estou minimizando a capacidade da natureza de provocar estragos muito acima da capacidade humana de se contrapor a eles; as seguradoras chamam essas ocorrências de acts of God, atos de Deus. Mas salta aos olhos que um sistema que tem milhares de quilômetros de linhas de transmissão expostas aos acts of God tem de ser projetado e gerenciado de modo a conviver com raios, trovões, descargas elétricas e ventos fortes. E pelo jeito, não é assim; ou não foi assim. Se é ou foi, é mais uma razão para ficarmos alarmados pois então estamos à mercê de algumas poucas ocorrências, fortuitas ou intencionais no futuro, que poderão facilmente paralisar o país. Portanto, a pergunta certa a ser respondida não é "por que ocorreu", pois há e sempre haverá uma enxurrada de explicações plausíveis, e sim "por que os efeitos de um problema localizado (segundo os próprios responsáveis pelo sistema) foi capaz de paralisar o país".

Não podem ser aceitas sem se retrucar respostas triunfalistas que asseguram que o nosso sistema é um dos melhores do mundo, que o planeta todo fica boquiaberto diante de tanta competência, que somos melhores do que americanos e europeus. Não se trata disso e sim de que o problema ocorreu e não estávamos preparados para limitar seus efeitos. Ao fundo, figuras patéticas, como esse ministro Édison Lobão, a respeito de cuja competência energética já se disse que Sua Excelência só é capaz de distinguir uma tomada elétrica de um focinho de porco porque as tomadas modernas têm três furos.

A par do apagão de competências, há outro pior que é o das consciências. Que o ministro Tarso Genro classifique uma ocorrência que afetou mais de 100 milhões de pessoas como um "microproblema" não surpreende. Afinal, tempos atrás ele definiu o assassinato de quatro seguranças em uma fazenda por membros do MST como resultado apenas de um excesso de "arrojo" dos assassinos... Que esperar quando um ministro da Justiça trata homicídios com tanta compreensão? E seu papel na entrega dos dois pugilistas cubanos que pediram asilo político ao governo de Fidel Castro? Meses depois os pugilistas fugiram novamente e, dessa vez, tiveram mais sorte em não esbarrar em ministros da Justiça tão expeditos em evitar que se criassem constrangimentos internacionais para os amigos fidelistas. Nem surpreendem as tentativas do governo para "blindar" a ministra e candidata à presidência Dilma Rousseff de qualquer cobrança pelo fiasco; ou de encerrar rapidamente a discussão do assunto tão incômodo e fingir que nada aconteceu e que ninguém foi afetado pelo apagão elétrico. Certamente essas pessoas pensariam diferente se tivessem sido assaltados no escuro, se seus filhos tivessem de ser transferidos de UTIs às pressas porque os aparelhos de sustentação da vida não funcionavam ou seus entes queridos estivessem em uma mesa de operação quando a energia acabou.

Vinicius de Moraes dizia que "melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado" no sexto dia da Criação em vez de inventar o homem e mulher. Para algumas pessoas, melhor ainda teria sido se Ele tivesse descansado desde o primeiro dia, pois não teria criado a luz e assim as pessoas nem sentiriam que houve um apagão.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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