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Augusto Aras na sabatina do Senado
Procurador-geral da República, Augusto Aras| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“A oposição ficou subserviente, aquiescente. Embarcou numa visão míope e imediatista.” (Fabiano Contarato, um dos dez senadores que votaram contra a recondução de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República)

Ariquemes é um pequeno município brasileiro no estado de Rondônia, com cerca de 110 mil habitantes. Foi neste município que se ouviu, em discurso de Lula durante a campanha eleitoral em 1993, uma sentença que, infelizmente, se mostra hoje bastante atual: “Há no Congresso uma minoria de parlamentares que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defende apenas seus próprios interesses”.

Nunca levo a sério o que Lula fala. Ele é a falsidade ambulante. Naquela vez em Ariquemes, entretanto, Lula estava sendo surpreendentemente sincero e pleno de razão. A votação no Senado pela recondução de Aras, ocorrida em 24 de agosto, confere que Lula estava certo então e continua certíssimo hoje, ao dizer o que disse em Ariquemes.

Aras tem muita popularidade no Congresso porque obstruiu as delações premiadas – o mais eficaz instrumento de combate à corrupção criado pelas democracias ocidentais – e enterrou a Lava Jato. Aliás (deve-se acrescentar para sermos completos), enterrou a Lava Jato com o indisfarçado apoio de Jair Bolsonaro. Na prática dos dois últimos anos, Aras transformou a PGR – uma instituição de Estado – em uma espécie de ministério de Bolsonaro. Lá ele sempre agiu ou deixou de agir conforme os interesses do presidente e sua famiglia. Por ter barrado as delações premiadas e enterrado a Lava Jato, a aprovação de Aras pelo Senado sempre foi considerada fava contada pelos melhores comentaristas políticos do Brasil. Nestas questões –blindagem de políticos corruptos –, nossos senadores são absolutamente gratos e sabem retribuir o favor quando a oportunidade chega.

Mas o Lula de Ariquemes não foi coerente quando da recondução de Aras pelo Senado. Ser sincero uma vez na vida deve tê-lo deixado exausto. Tanto que não mexeu uma palha para deter seus senadores petistas de aprovarem a recondução de Aras, grande aliado de Bolsonaro. Parafraseando Shakespeare: há muita gente podre no estamento político brasileiro. Lula é apenas o mais notório deste estamento político que tanto envergonha o Brasil pensante e honesto.

O placar final da votação no Senado, como previam todas as avaliações, foi acachapante a favor da indecência: 55 votos pela recondução de Aras e dez votos contra. São 55 senadores, todos farinha do mesmo saco quando a questão é salvar a pele da Justiça. A promessa velada de blindagem contra punições por crimes vários uniu direita, centro e esquerda, aqui incluído o PT de Lula. Pode-se afirmar que, dos 65 senadores votantes, apenas dez (ou seja, apenas 15% dos votantes) nada devem à Justiça e aos contribuintes que lhes pagam os gigantescos rendimentos mensais. Esta é uma constatação profundamente chocante. Ariquemes sempre teve razão! O Brasil é, sem metáfora, uma desgraçada República Bananeira (“Banana’s Republic”), como já o classificou, recentemente, o respeitado jornal britânico The Guardian. Nossas poluídas “instituições” nos conduziram a esta desonrosa exposição internacional.

Em recentes comentários sobre o fracasso da intervenção militar norte-americana no Afeganistão, ouvi que os Estados Unidos, durante 20 anos de ocupação, não atentaram para a corrupção institucional naquele país. Foi este simples motivo, dizem aqueles comentaristas, a razão do grande fracasso. É assim mesmo: corrupção institucional destrói uma nação. E a nação brasileira não será exceção a esta regra.

Nós já estivemos muito próximos de entrar para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), graças à Lava Jato e à ação de magistrados da estatura moral de um Sérgio Moro. Hoje este sonho cidadão está morto. Mataram-no o STF, o PGR e Jair Bolsonaro. Sobre a ação nefasta da PGR e de Jair Bolsonaro, já fiz, acima, comentários esclarecedores. Limito-me agora a comentar a ação do STF, com certeza a mais deletéria à imagem internacional do Brasil.

O STF começou a destruir o maior, mais sério e mais perfeito sistema de combate à corrupção no mundo – a Lava Jato – em 7 de novembro de 2019, quando decretou a alforria dos maiores e mais detestáveis corruptos do Brasil, com a exigência do cumprimento de quatro (!) instâncias judiciais – cada uma delas permitindo um infindável número de chicanas jurídicas –, o que joga o trânsito em julgado (e o cumprimento da pena) para as calendas gregas, aquelas datas que nunca chegam. Quatro instâncias judiciais já configuram uma enorme jabuticaba brasileira; nenhuma outra democracia séria adota tamanha artimanha em favor dos grandes criminosos. Nas democracias sérias, em geral o condenado recorre já cumprindo pena. Seis pessoas (todas notórias) foram responsáveis por reinstituírem esta aberração judicial no Brasil: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello (o libertador do traficante André do Rap), Ricardo Lewandowski, Celso de Mello (o maior expert do mundo em embargos infringentes) e Rosa Weber. O Brasil decente e pensante jamais os esquecerá por esta radical e definitiva “contribuição” à impunidade dos bandidos de elevado coturno.

Não bastasse a anomalia jurídica das quatro instâncias judiciais, em 23 de junho de 2021 a Segunda Turma do STF, presidida por Gilmar Mendes, declara Sergio Moro suspeito nas ações sobre Lula, anulando todos os processos e condenações em que o Princeps Corruptorum havia sido condenado, uma delas com condenação já em terceira instância. Votaram neste sentido Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Esta última já havia votado contra a suspeição de Moro. Overnight, sabe-se lá por quais ações de bastidores, a ministra (que fora colocada no STF pelo próprio Lula) “mudou” de opinião e de voto. Uma vergonha!

Como o pleno do STF não é instância revisora das turmas, o absurdo perpetrado pelos três “magistrados” micou por isso mesmo (uso aspas para lembrar que nenhum dos três é juiz de carreira, foram todos togados em gabinetes presidenciais e caíram de paraquedas na mais alta corte de Justiça do país). O mais irônico é que dois dos três mais suspeitos e menos admirados membros do STF (Mendes e Lewandowski) levantaram suspeitas sobre o insuspeitável juiz Sérgio Moro. Isto é Brasil, terra do faroeste invertido, onde, ao contrário do faroeste americano, aqui são os bandidos que caçam os mocinhos. Por essas e outras o Brasil acabou ficando muito distante de entrar para a OCDE, o clube das mais notáveis, mais admiráveis e honradas democracias do mundo.

Talvez por causa deste quadro jurídico-institucional, o sonho de todo estudante universitário brilhante de Engenharia e demais ciências seja cair fora do Brasil. Como ouvi certa vez de um inteligente jovem estudante de Engenharia: “Não dá para aguentar ouvir, diariamente, sobre a enxurrada de corrupção institucional, com a proteção do nosso sistema jurídico”. Verdade! E não se vê um horizonte à frente para que a causa maior da diáspora dos nossos melhores cérebros chegue ao fim. Pobre Brasil!

José J. de Espíndola é engenheiro mecânico, mestre em Ciências em Engenharia, Ph.D. pela Universidade de Southampton (Inglaterra), doutor honoris causa pela UFPR e professor titular aposentado da UFSC. 

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