| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

“Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.” Este mote é repetido cansativamente pela Associação Nacional de Rifles da América (NRA, na sigla em inglês) sempre que uma voz sensata se levanta a favor de restrição à venda de armas, até metralhadoras e fuzis de assalto, nos estados americanos que ainda a permitem. Exemplo disso foi a declaração inicial do presidente americano após mais um dos inúmeros massacres cometidos em escolas; o mandatário circundou a questão da facilidade com que as armas usadas foram compradas e disse que seu governo trataria com mais rigor as doenças mentais que seriam – apenas elas – a causa da tragédia. Traduzindo: o assassino matou por ter um “problema”; o fato de poder se armar pesadamente, mesmo tendo um “problema”, não tem a menor importância. Infelizmente, esses tiroteios tornam-se constantes naquele país e causam dezenas, centenas, de mortes estúpidas todos os anos.

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Não podemos negar, no entanto, que nós, brasileiros, sofremos um número muito maior de assassinatos anualmente e, ainda que tenhamos uma legislação restritiva à compra e porte de armas, isso não intimida os criminosos que as trazem em quantidades industriais do oriente, da Rússia, de qualquer um dos muitos lugares em que se deseja o lucro fácil.

As mortes por arma de fogo que enfrentamos decorrem de assaltos, guerras de quadrilhas, ajustes de contas, imperícia, e até mesmo deste absurdo denominado “bala perdida” (poderíamos dizer aqui que balas não se perdem nem matam pessoas, pessoas o fazem). E temos também, para nossa infelicidade, as chacinas, como a que vitimou crianças numa escola do bairro do Realengo, no Rio, em 2011; as matanças periódicas de grupos em periferias; o massacre do Carandiru, em 1992; e muito mais.

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Em muitas dessas desgraças que presenciamos, os danos poderiam ser menores se menor fosse o poder de fogo envolvido

Aqui e nos Estados Unidos os motivos determinantes destas desgraças são vários, complexos, imprevisíveis e com frequência fora de qualquer controle. É pueril afirmar que só ocorrem porque os responsáveis estão armados, mas em muitas delas os danos poderiam ser menores, se menor fosse o poder de fogo envolvido.

Há três tipos básicos de portadores de armas de fogo: os profissionais – militares, seguranças, policiais – que supostamente têm treinamento constante para seu uso e estabilidade emocional para isso, embora os fatos demonstrem que nem sempre é assim; os ilegais: assaltantes, traficantes, sequestradores, terroristas, pessoas que não têm muito a perder e nenhum pudor de atirar para matar; e os amadores: quem tem arma, geralmente legalizada, para proteção individual e de suas famílias; muitos sabem atirar e acreditam que o ambiente de um conflito armado é semelhante ao de um estande de tiro, quando a realidade brutal costuma mostrar a diferença.

Flavio Quintela: Nas mãos certas, elas salvam (23 de fevereiro de 2018)

Leia também: Das lágrimas à ficção (artigo de João Luís Teixeira, publicado em 19 de janeiro de 2016)

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O presidente americano lançou mais uma das suas tiradas, que um ex-governador carioca chamaria de “factoides”: propôs que professores tivessem armas, treinassem seu uso e estivessem prontos a defender seus alunos a bala! Até ganhariam um adicional em seus salários pela dupla função: mestre e pistoleiro. Seria cômico se não fosse trágico, diriam todos os filósofos de todos os botequins do planeta.

A antítese de absolutamente tudo o que se possa pensar como processo educativo seria a presença de armas destinadas a docentes no ambiente escolar em qualquer país. Segurança é constitutivo do processo de aprendizagem, mas imaginar um professor portando armas, treinando para manuseá-las, encarando criminosos nos tiroteios em meio às crianças ou jovens é de um nonsense absoluto, o oposto de todas as mensagens, exemplos, ensinamentos, teorias, práticas que ele pudesse transmitir aos seus alunos.

Em particular no Brasil, teríamos adicionalmente a grande probabilidade de que bandidos invadissem a escola para roubar o armamento, colocando a comunidade escolar em risco ainda maior. Mas em qualquer nação, todos os discursos, englobando desde uma degradação da própria civilização, a perda da cultura e a dissolução dos costumes, como justificativas das violências escolares, a disseminação do uso de armas como forma de resolução de conflitos, certamente não seriam solucionados com o armamento de professores.

Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).