Sua Santidade, felizmente, enganou-se ao declarar que já estamos mergulhados na Terceira Guerra Mundial – em fragmentos, ressalvou. Pacifista por vocação e dever de ofício, talvez a figura mais generosa da atualidade, o pontífice tem fortes motivos para afligir-se diante da simultaneidade e brutalidade dos conflitos bélicos em diferentes recantos do planeta.

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Na sua prudente ressalva, a avaliação pontifícia, embora legítima, parece injustificada: as duas guerras mundiais e a Guerra Fria que a elas se seguiu, além de concomitantes, eram entrelaçadas, interdependentes. No conflito 1939-1945, Aliados e Eixo combatiam em todas as frentes de batalha, dai o efeito dominó que produziam.

Da Coreia do Sul, de onde retornava, o papa viu uma sucessão de conflitos fragmentados, mas não reparou na desconexão entre eles. Os contenciosos no Extremo Oriente estão circunscritos, localizados, desligados das antigas inimizades e animosidades China-Japão e Índia-Paquistão, e também das matanças no Oriente Médio, por ora também isoladas, incomunicáveis.

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Guerras mundiais ocorrem em tabuleiro único com os mesmos adversários, obedecendo de forma coordenada à mesma dinâmica e estratégias. O conflito Israel-Hamas em Gaza não contagiou a confrontação entre os fanáticos insurgentes sunitas do Estado Islâmico e os xiitas do Iraque-Irã. O Egito, empenhado em aniquilar a Fraternidade Muçulmana e mal relacionado com o Hamas, optou por mediar as negociações palestino-israelenses, desativando um perigoso ponto de atrito entre a Ásia e a África.

A desarticulação mais positiva, capaz de sossegar a angústia do sumo pontífice e dos pacifistas em geral, acontece em meio aos massacres promovidos pelos militantes do Estado Islâmico. Os únicos que se mostram capazes de enfrentá-los são os curdos – ou peshmerga, curdos armados –, a maior etnia do mundo que jamais teve direito a uma pátria. São cerca de 35 milhões espalhados pelo Irã, Síria, Armênia, Azerbaijão e, principalmente, Iraque e Turquia, onde até recentemente eram perseguidos, proibidos de se agregar, falar o idioma (caucasiano com influência do aramaico) e professar seu islamismo (sunita moderado).

Durante a longa ditadura militar turca, suas lideranças foram caçadas e exiladas; por seu lado, Saddam Hussein massacrou-os barbaramente. A invasão americana do Iraque permitiu-lhes o estabelecimento de uma região autônoma, rica em petróleo, enquanto o premiê e agora presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ameniza as antigas restrições.

Empenhados nos últimos anos em levar adiante o seu milagre econômico, os curdos iraquianos voltaram a pegar em armas para enfrentar os milicianos do Estado Islâmico apoiados pela aviação americana e com a promessa de ajuda militar da Alemanha (onde a minoria curda vive plenamente integrada).

A ideia de uma Federação Curda como primeiro passo para um Curdistão independente deixou de ser quimera. Não é artifício cartográfico, Estado-tampão ou títere pré-fabricado. Reparação de uma ancestral injustiça poderá servir como polo moderador num ambiente carregado de tensões e revanchismo.

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O preocupado e fatigado papa Francisco merece esta esperança e alívio.

Alberto Dines é jornalista.

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