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Uma verdadeira reforma administrativa tem de resolver alguns problemas fundamentais, que irão possibilitar uma melhoria real do padrão de serviços prestados à população. O primeiro deles é acabar com a relação promíscua entre a política partidária e a administração.

Vejo na imprensa, entre incrédulo e maravilhado, que as aposentadorias agora estão sendo deferidas pela Previdência Social em trinta minutos, eliminando a Via Dolorosa que os interessados tinham de percorrer para conseguir um benefício para o qual contribuíram durante décadas. Esse sim é um avanço significativo em termos de reforma administrativa no Brasil, como o são a entrega das declarações tributárias via internet, a emissão de certidões e atestados sem necessidade de presença física, a marcação de consultas via computador e coisas parecidas. Afinal, o contribuinte, o cidadão só sente que está sendo tratado dignamente quando perde menos tempo, se estressa menos e percebe que seus direitos são respeitados sem necessidade de implorar por eles.

Penso que uma verdadeira reforma administrativa tem de enfrentar e resolver alguns problemas fundamentais, que irão possibilitar uma melhoria real do padrão de serviços prestados à população. O primeiro deles é acabar com a relação promíscua entre a política partidária e a administração. Hoje em dia, virtualmente, toda a estrutura de comando e assessoria dos governos (federal, estaduais, municipais) é composta de ocupantes de "cargos comissionados" escolhidos politicamente, sem qualquer necessidade de atenção para as qualificações técnicas do escolhido. Como os cargos são "demissíveis ad-nutum", ou seja, os ocupantes podem ser demitidos sem necessidade de explicações, os resultados são óbvios: cria-se uma enorme instabilidade, uma falta de comprometimento com valores e princípios permanentes e, pior que tudo, uma dependência entre o desempenho dos indicados e os interesses políticos dos indicantes. Não por acaso, as áreas em que a qualidade dos serviços mais evoluiu foram aquelas em que existem carreiras bem definidas. Cargos "em confiança" deveriam ser exceção excepcionalíssima, contar-se em dezenas e não em dezenas de milhares, como no governo federal, ou milhares, como no governo paranaense.

Uma segunda questão tem a ver com o uso inteligente da tecnologia. Algumas repartições públicas brasileiras vêm conseguindo avanços enormes de qualidade com o uso da internet enquanto que outras se encontram nos tempos da escrita cuneiforme. Já existem países, estados e cidades mundo afora em que os governos funcionam o ano todo, 24 horas por dia, prestando uma infinidade de serviços via internet. E aí, realmente, o cidadão ganhou alguma coisa palpável em termos de qualidade dos serviços que lhe prestam.

Um terceiro problema a ser superado é adaptar as práticas administrativas à crescente multiplicidade das demandas sociais. Nada se faz atualmente no serviço público sem que uma multidão de organismos e pessoas opinem previamente sobre os méritos ambientais, a adequação social, a atenção aos grupos sociais mais organizados e por aí adiante. E, assim, qualquer decisão administrativa é analisada, reanalisada, criticada, modificada ou vetada por qualquer um deles, com a valiosa contribuição do bizantinismo dos processos judiciais que permitem uma miríade de recursos, apelos, agravos arguições de nulidade e embargos contra as decisões administrativas. Portanto, é necessário rever as estruturas de controle e estabelecer limites precisos entre os poderes do executivo e de seus fiscais, pois nada se faz atualmente sem o risco de ter a decisão questionada a qualquer tempo e por qualquer um deles. Como resultado, administradores "prudentes" não decidem, com medo de serem responsabilizados no futuro com resultados desastrosos para suas carreiras, suas reputações e seu patrimônio. O campeão nesse quesito tem sido o Ministério Público, cujos membros interpretam seus poderes constitucionais como um manto flexível e infinito que lhe permite abordar (e seguidamente abortar) qualquer assunto em qualquer área.

Se esses problemas estruturais não forem enfrentados, as reformas administrativas continuarão a ser uma arrumação interminável das cadeiras no convés do Titanic. Com a banda tocando ao fundo, para animar os passageiros.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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