• Carregando...
A sociedade passou a questionar as distorções causadas pela assimetria de benefícios das grandes corporações do serviço público brasileiro.
A sociedade passou a questionar as distorções causadas pela assimetria de benefícios das grandes corporações do serviço público brasileiro.| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Nos últimos anos, a sociedade passou a questionar as distorções causadas pela assimetria de benefícios das grandes corporações do serviço público vis-à-vis o conjunto de direitos trabalhistas das demais categorias profissionais em nosso país. Discute-se muito pouco, entretanto, sobre como esse tratamento desigual afeta a estrutura de incentivos relativos das diversas profissões dos setores público e privado, bem como seu efeito sobre o mercado de trabalho.

Inicialmente, é preciso compreender a dinâmica de obtenção de benefícios pelas grandes corporações. Normalmente, o ponto de partida é a correção do valor dos subsídios mensais dos ministros do Supremo Tribunal Federal – teto constitucional de remuneração dos servidores públicos. Com o aumento, outras corporações com elevado poder de barganha junto ao Poder Legislativo, tais como juízes, procuradores, delegados, fiscais tributários e auditores das cortes de contas, dentre outras, se mobilizam para “recompor” a sua remuneração buscando manter a isonomia com os ministros do STF. À medida que essas categorias obtêm êxito em seus pleitos de aumento salarial, novas categorias passam a buscar o mesmo tratamento até se chegar a categorias com menor poder de pressão e que não conseguem os mesmos reajustes.

Ou seja, a correção do teto dispara todo um processo de aumento salarial do setor público que independe da produtividade da máquina pública, da remuneração de carreiras semelhantes na iniciativa privada ou de considerações fiscais e atuariais sobre os impactos desses aumentos no médio e no longo prazos.

A combinação de salários elevados para algumas categorias, baixo risco de demissão e benefícios previdenciários mais generosos que os da iniciativa privada faz com que o setor público brasileiro atraia profissionais brilhantes, mas muitas vezes com baixíssimo alinhamento vocacional para o trabalho, em razão do generoso pacote de benefícios oferecido.

É uma situação que tem desdobramentos negativos para o mercado de trabalho. Inicialmente, os processos seletivos para os cargos com maior remuneração do setor público – não necessariamente aqueles que trazem maior valor agregado para a sociedade ou para a própria economia – são muito concorridos e atraem profissionais com elevadíssima qualificação técnica e acadêmica, bem como grande conhecimento profissional, e que em circunstâncias normais poderiam estar agregando grande valor ao setor privado.

Sabe-se que o setor público é estruturalmente menos eficiente que o setor privado em razão das restrições da legislação. Além disso, a estabilidade absoluta no emprego e as generosas condições de aposentadoria também aumentam a sensação de segurança e reduzem a vitalidade criativa e a eficiência dos novos servidores. No médio prazo, aqueles jovens talentos, com poucas exceções, acabam se encaixando no ritmo do serviço público com uma produtividade abaixo do seu potencial.

As distorções também ocorrem dentro do setor público, onde servidores migram de órgãos com menor para outros com maior remuneração, como as casas do Poder Legislativo ou o Tribunal de Contas da União. O interessante é que o mesmo ente federado irá pagar mais ao mesmo profissional simplesmente porque ele mudou seu endereço profissional em algumas centenas de metros para fazer o mesmo tipo de trabalho, e os órgãos de fiscalização acabam com quadros profissionais melhores que os dos órgãos que devem implementar as políticas públicas. Será que os incentivos estão corretos?

Os formuladores de políticas públicas e os membros do Poder Legislativo e Judiciário precisam refletir se tudo isso é adequado. Trabalhos iguais deveriam receber remuneração semelhante, tanto no setor público quanto no setor privado. Outro ponto de reflexão se refere aos critérios de definição do valor do teto constitucional e do salário das demais carreiras. Será que o salário dos servidores deveria ser simplesmente atualizado pela inflação ou pela variação do teto do funcionalismo público, ou o correto seria um alinhamento aos salários pagos pela iniciativa privada? Talvez os ministros do STF realmente tenham de auferir a renda atual, mas será que servidores de carreira sem as mesmas responsabilidades deveriam ter renda próxima ao teto constitucional, quando a dos profissionais do setor privado é sete ou oito vezes menor? Pondera-se, ainda, se os critérios de avaliação e punição dos servidores públicos são aderentes à busca pela excelência do setor público, ou são incentivos adversos que levam parte dos servidores a ter uma atuação aquém de sua própria capacidade, além de muitas vezes não proporcionar um padrão de atendimento compatível com os anseios de nossa sociedade.

Sem essas ponderações, não há como buscar uma maior equidade em nossa sociedade e estaremos condenando o país a manter um modelo modernizado de capitanias hereditárias, em que, a partir de um “direito adquirido” por meio de um processo de seleção pública, perpetuam-se benefícios que se estenderão por décadas.

William Baghdassarian, PhD, é professor de Finanças do IBMEC Brasília.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]