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Há algum tempo, observa-se que o Ocidente sofre de uma epidemia de solidão. Trata-se de uma palavra forte, talvez até exagerada; além disso, essa sensação de urgência provavelmente é intensificada, em parte, por um certo “contágio social” causado pela atenção que o tema vem recebendo da opinião pública. De qualquer forma, diversos estudos apontam, de fato, para uma deterioração das relações familiares e sociais.
No entanto, esses diagnósticos carecem de nuances: existe evidência “objetiva” desse declínio? Há uma relação direta entre dados quantitativos — o número de contatos sociais que mantemos — e dados qualitativos — o quão solitários nos sentimos? Quais fatores influenciam cada um: idade, nível de renda, sexo, estado civil? Isso ocorre em todos os países?
Um relatório recente da OCDE, apresentado como o estudo mais abrangente sobre o tema até o momento, oferece respostas para muitas dessas perguntas. E, como costuma acontecer ao se examinar de perto uma realidade complexa, são os tons de cinza, e não o preto e o branco, que prevalecem.
Os autores entrevistaram milhares de cidadãos em mais de 25 países, a maioria membros da OCDE. Os dados foram coletados entre 2022 e 2023 e, portanto, ainda refletem o impacto da pandemia nas relações sociais. As conclusões, como aponta a introdução, são importantes para a formulação de políticas públicas em diversas áreas: a solidão — tanto a objetiva quanto, principalmente, a percepção dela — afeta a saúde física e mental, a produtividade no trabalho, a mobilidade social e o desempenho acadêmico.
Algumas pesquisas anteriores tentaram quantificar o custo econômico total desse problema para o Estado. Um estudo, com foco nos Estados Unidos, estimou-o em US$ 400 bilhões por ano; outro, para a Espanha, calculou-o como equivalente a 1,2% do PIB.
Relação fraca entre sociabilidade “objetiva” e “subjetiva”
Se o estudo tivesse que ser resumido em uma manchete, seria esta: temos cada vez menos interações presenciais e cada vez mais interações remotas. Esses são os dados quantitativos.
Qualitativamente, porém, o declínio tem sido menos acentuado: sentimos-nos um pouco mais solitários do que há dez anos e valorizamos um pouco menos nossos relacionamentos. Daqui em diante, as nuances ficam mais claras.
Na Grécia e em Portugal, uma alta frequência de contato social coexiste com um alto índice de solidão. No Japão, ocorre o oposto
Um dos fatores é a geografia: embora existam alguns elementos comuns, a realidade varia consideravelmente de país para país. Entre os mais solitários, em termos quantitativos, estão Japão, Canadá, Estados Unidos, Polônia e Lituânia, entre outros.
Nesses países, a porcentagem de pessoas que se encontram pessoalmente com amigos ou familiares várias vezes por semana é significativamente menor que a média, e mais de 20% dos entrevistados relataram ter tido, no máximo, um encontro desse tipo na última semana (30% no Japão).
No extremo oposto, encontram-se alguns países mediterrâneos com reputação de grande sociabilidade, como Grécia, Espanha e Itália, mas também outros, como Islândia, Noruega e Suécia, o que, de certa forma, desmente o estereótipo da “frieza social” do norte da Europa.
Se, em vez de nos concentrarmos na população como um todo, focarmos no segmento mais isolado da sociedade, surge um quadro parcialmente consistente, mas apenas parcialmente. Por exemplo, na Hungria, Letônia ou Estônia, a porcentagem de pessoas que veem amigos e familiares com frequência é maior do que a média, mas o mesmo ocorre com a porcentagem daqueles que dizem não ter “amigos próximos”.
O caso da França revela outra nuance interessante: embora a porcentagem de pessoas pouco sociáveis em termos objetivos (que mantiveram, no máximo, um contato presencial na última semana) esteja na média, é o país europeu com a maior proporção de pessoas que se sentem sozinhas regularmente (11%), claramente acima de outros países quantitativamente menos sociáveis, como a Suíça.
O oposto ocorre no Japão, onde, apesar de as interações sociais presenciais serem muito menos frequentes, poucas pessoas se sentem sozinhas (menos, por exemplo, do que na Espanha). Todos esses aparentes paradoxos mostram que, como o relatório enfatiza repetidamente, a relação entre indicadores “objetivos” e “subjetivos” de solidão é bastante tênue.
Jovens e homens aparecem em (quase) todas as fotos… mas não vamos exagerar
Se há um grupo que consistentemente apresenta resultados negativos, são os jovens. Pelo menos, é o que se observa nas últimas décadas. Os menores de 25 anos ainda se encontram com amigos mais do que qualquer outra faixa etária, algo que pode ser explicado pela falta de compromissos familiares ou profissionais e pela presença em ambientes altamente sociais, como salas de aula.
No entanto, esse é o grupo que mais perdeu contato presencial em comparação a 2015, especialmente com amigos, e também o único que reduziu os encontros “remotos”, um fenômeno menos esperado.
É também o grupo em que a porcentagem de pessoas que afirmam não ter ninguém (nem amigos nem familiares) em quem se apoiar em momentos de necessidade mais aumentou — embora continue sendo a menor porcentagem — e o grupo que avalia seus próprios relacionamentos sociais como os piores.
Os jovens e os homens se veem menos e se sentem mais sozinhos do que há uma década, mas poucos estão em situação de isolamento
No entanto, outros dados do relatório devem ajudar a diminuir o nível de alarme em relação à solidão entre os jovens. Por exemplo, embora a porcentagem daqueles que “nunca ou quase nunca” se sentem sozinhos tenha diminuído consideravelmente, a porcentagem daqueles que se sentem sozinhos “sempre ou quase sempre” praticamente não aumentou. O mesmo se aplica à frequência do contato social: a proporção de jovens que veem amigos com frequência (diariamente) diminuiu, mas a proporção daqueles que o fazem muito raramente praticamente não aumentou.
Portanto, embora a tendência seja negativa e seja importante não baixar a guarda — especialmente em alguns países —, dada a presença de certos fatores de risco, como o uso excessivo da tecnologia, parece razoável não exagerar o alarme em relação à solidão juvenil, ou, pelo menos, contextualizá-lo. Os dados deste relatório indicam, em vez de uma explosão de jovens isolados, uma mudança gradual na frequência dos relacionamentos e, talvez, uma maior conscientização sobre o assunto.
Um diagnóstico semelhante pode ser feito em relação a outro grupo frequentemente discutido em termos de “crise”: os homens. Por um lado, é verdade que a situação deles na última década tem sido pior do que a das mulheres, tanto em indicadores objetivos quanto subjetivos: eles veem seus amigos com menos frequência, sentem-se mais sozinhos e uma proporção maior admite não ter apoio quando necessário.
No entanto, as diferenças em relação às mulheres ainda não são significativas em quase nenhum indicador. Em alguns, inclusive, os homens se saem melhor: continuam passando mais tempo com os amigos, menos deles se sentem sozinhos e relatam ter mais amigos próximos do que as mulheres. Em contrapartida, as mulheres se consideram mais próximas de suas famílias e têm uma rede de apoio emocional mais forte.
A influência de outros fatores: renda, parceiro(a), orientação sexual
Se tivéssemos que adivinhar quais grupos experimentam mais solidão nas dicotomias rico-pobre, graduados universitários-desistentes precoces, empregados-desempregados e casados-solteiros, provavelmente diríamos que a segunda pessoa em cada par estaria em vantagem quantitativa (passa mais tempo com os amigos), mas em desvantagem qualitativa (sente-se mais sozinha). E, em parte, isso é verdade — embora, mais uma vez, com nuances.
Entre pessoas com renda mais baixa, menor escolaridade, desempregadas e solteiras, há uma porcentagem maior de indivíduos altamente sociáveis do que nos grupos opostos. No entanto, em todos esses grupos, também há uma proporção maior daqueles que “nunca ou quase nunca” se encontram com familiares e amigos.
Vale destacar que a taxa de solidão (autopercebida) entre solteiros e pessoas que moram sozinhas é quatro vezes maior do que a de seus grupos opostos e maior do que a de outros grupos geralmente considerados solitários: jovens e homens.
Outro dado interessante do relatório é que pessoas LGBT têm o dobro da probabilidade de se sentirem sozinhas em comparação aos heterossexuais e 50% mais probabilidade de apresentarem um estilo de apego “ansioso” em seus relacionamentos (pensando que, se se aproximarem demais, podem se machucar), algo que também se estende aos seus relacionamentos sociais.
Causas: nem todas têm solução política
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Harvard analisou o nível de solidão na população do país e explorou suas causas subjacentes — ou, mais especificamente, como os próprios entrevistados as percebiam.
De todas as respostas oferecidas, as mais frequentes foram “a influência excessiva da tecnologia”, “sobrecarga de trabalho e falta de tempo para a família”, “saúde mental precária” e “falta de sentido espiritual na vida”. A maioria dessas causas pode ser classificada como cultural e não é diretamente passível de intervenção política.
Isso não significa que as administrações públicas e as iniciativas privadas não estejam oferecendo soluções para o desafio da solidão. Vários países desenvolveram estratégias nacionais específicas: foi o caso da Alemanha, do Japão, da Dinamarca, da Lituânia, da Coreia do Sul e do Reino Unido, onde inclusive foi criada uma agência governamental dedicada ao tema.
Entre as atividades promovidas por essas administrações, estão linhas telefônicas de apoio para idosos solitários (Lituânia), programas com atividades sociais para jovens isolados (Coreia do Sul) e a construção de moradias e espaços de lazer multigeracionais (Alemanha). Alguns países também regulamentaram o “direito de se desconectar do trabalho”.
Enquanto isso, no setor privado, surgem inúmeras iniciativas que veem esse problema social como uma oportunidade de negócio: aplicativos para organizar jantares entre desconhecidos, chatbots com inteligência artificial para oferecer companhia, espaços de coworking que incluem eventos comunitários, agências de viagens focadas em aventuras com desconhecidos… Tanto que já se fala em uma “indústria da solidão”.
Todas essas estratégias, tanto públicas quanto privadas, podem ser úteis para lidar com um problema complexo e multifacetado. No entanto, outros fatores mais profundos que estão na base de muitos casos de solidão — como baixas taxas de natalidade, baixas taxas de casamento, altas taxas de divórcio, individualismo e falta de espiritualidade na sociedade — estão além do alcance da política e exigem, em vez disso, uma mudança de valores.
©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Las muchas caras de la soledad en el siglo XXI



