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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O compromisso com a Constituição envolve reconhecer a validade de seus pontos controvertidos ou falhos. Não houve alternativa ao STF senão reconhecer como válida a legislação de regência do impeachment, adequando seu procedimento – em julgamento conduzido pelo ministro Fachin, notório opositor do retrocesso social – e, até o momento, reconhecer caber à Câmara e ao Senado, com ampla discricionariedade, avaliar se houve crime de responsabilidade e se a conjuntura era grave o suficiente para a perda do cargo da presidente.

A Constituição joga a sorte do presidente aos conchavos da política. Permite que seja posto em seu lugar não o segundo colocado nas eleições, mas o vice eleito com o titular, em tese – não de fato, no caso atual – integrante do mesmo projeto político e corresponsável pelo sucesso eleitoral.

Historicamente, muitos avanços dependeram de rebeldia, de quem arriscou testar os limites do estabelecido

O risco de praticar a antidemocracia

A legítima via democrática foi simplesmente suprimida e trocada pela estratégia de vencer pelo cansaço e pelo grito?

Leia o artigo de José Motta Filho, professor do Colégio Positivo e da Universidade Positivo

Reconhecer validade de origem não significa defender as medidas propostas pelo atual presidente. Aprovar a conveniência, a oportunidade e os meios eleitos são outros quinhentos. Mas não é na ilegitimidade da ocupação da chefia do Executivo pelo atual presidente que poderá ser sustentada a legalidade de atos de resistência às suas propostas. O congresso que o alçou à Presidência foi eleito e operou – segundo a posição atual do STF – dentro de suas competências, e assim o faz quando processa medidas provisórias e emendas constitucionais.

Não há ilegitimidade do presidente que implique a suspensão de toda a ordem jurídica e a autorização para o uso das próprias razões. As ocupações são ilegais. Devem ser reconhecidas como o que são: atos de rebeldia contra políticas que, na opinião dos rebeldes, são inadequadas. Atos de quem não tolera o modo como têm funcionado as instituições.

Com que espaço de rebeldia estamos dispostos a conviver? Historicamente, muitos avanços – ou o impedimento de retrocessos – dependeram de rebeldia, de pessoas que arriscaram testar os limites do estabelecido. Num contexto de justa reação contra graves atos de corrupção, embora tolerando outros, nossa sociedade parece se inclinar pela aversão à rebeldia. Parece desejar que a ordem vigente, ainda que injusta, não seja questionada senão pelos meios por ela admitidos e seja aplicada contra sublevações, inclusive com o uso de toda força permitida, e até da violência não permitida.

Aí está o ponto. Queremos viver em uma sociedade tão rígida que o questionamento da ordem vigente só possa ser feito no espaço que essa ordem admite? No limite: que apenas os beneficiados por essa ordem tenham voz? Que suas vítimas possam apenas assistir atônitas ao desenrolar dos fatos e ao protagonismo dos privilegiados? Se não, com que critérios? Estamos dispostos a não chamar de violência o impedimento da fruição de direitos fundamentais e aprovar a paradoxal adoção de meios que paralisam a educação em defesa dela própria?

Na outra ponta: queremos reconhecer como adequado o uso de qualquer violência contra adolescentes e jovens em sua luta pelo que lhes parece correto e urgente? Abriremos espaço para negociação ou usaremos a força contra os filhos da nossa própria sociedade? Queremos viver sem espaço para qualquer rebeldia ou cada um de nós quer permitir apenas a rebeldia que nos convém?

André Folloni é professor e coordenador dos cursos de mestrado e doutorado em Direito da PUCPR.
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