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O Estado brasileiro vem enfrentando o impacto da imposição, pelo governo americano, de tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil pelos EUA, o que certamente gerará forte tensão na condução das relações comerciais entre os dois países.
Há também outras sanções não tarifárias, que deverão atingir alguns membros dos Poderes Executivo e Judiciário. Em carta dirigida pelo presidente dos EUA ao presidente do Brasil, aquele justifica sua decisão de estabelecer tais medidas trazendo, em síntese, duas razões fundamentais:
- Necessidade de correção da injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que, ao longo de muitos anos, acarretaram déficit comercial contra os EUA;
- Violação da liberdade de expressão de cidadãos americanos, expressa em centenas de ordens de censura ilegais, emanadas do Supremo Tribunal Federal do Brasil a plataformas de mídia social dos EUA, bem como diversos ataques do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas.
O governo brasileiro não tardou em qualificar o ato do presidente americano de “chantagem” e de “violação da soberania nacional brasileira”. Entretanto, é preciso, desde logo, afastar quaisquer avaliações de ordem ideológica e política sobre uma questão relevante como essa e, sim, considerá-la à luz das regras dos ordenamentos jurídicos americano e internacional.
Vale lembrar que, conquanto tais medidas restritivas possam ser consideradas pelo país que as suporta como atitude inamistosa ou hostil, o fato é que o presidente dos EUA, no caso em tela, está no exercício de um poder e de um direito legítimos, perfeitamente de acordo com a Constituição e com as leis americanas, além de sua conformidade com o Direito Internacional.
Do ponto de vista da organização jurídica interna de cada país, a política tarifária é, em sua essência, um ato unilateral de governo, visto que cada país tem o direito soberano de determinar suas próprias políticas tarifárias, buscando proteger sua indústria nacional, gerar receita para o governo ou mesmo como instrumento de pressão política. Assim, compete à autoridade governamental de um país decidir sobre o aumento das tarifas sobre produtos importados de outro país, sem a necessidade de acordo prévio com este.
Do mesmo modo, a imposição e o aumento de tarifas por um Estado contra outro encontram amparo também no Direito Internacional (v. Hildebrando Accioly e Valerio Mazzuoli), que prevê o instituto da retorsão, processo pelo qual um Estado retribui a outro, com os mesmos meios, na mesma medida e na mesma proporção, os atos pouco amistosos por este praticados em seu detrimento e que lhe acarretaram prejuízos, sem que isso importe em violação do Direito Internacional.
Portanto, ao tomar a decisão de impor tarifas ao Brasil, a exemplo do que fizera com outros países, o presidente dos EUA está buscando apenas salvaguardar os interesses do Estado americano e de seus cidadãos
Ademais, ficou clara na carta acima citada a intenção de Trump de impor a sanção tarifária não apenas como resposta à política protecionista praticada pelo Brasil na área comercial. Mas, de outra parte, pretendeu o presidente americano alargar o escopo daquelas medidas restritivas, trazendo razões de ordem política, ao denunciar decisões do Supremo Tribunal Federal que, em seu entender, vêm desrespeitando a liberdade de expressão e os direitos humanos.
Evidentemente, não se pretende, neste comentário, defender ou condenar de maneira açodada as ações de Trump, e sim analisá-las exclusivamente do ponto de vista das regras do Direito e verificar, a partir de uma avaliação eminentemente jurídica, se essas medidas teriam ou não alguma procedência, tendo-se em vista o atual cenário político-jurídico do Brasil.
E, nesse tema, não é dado a qualquer cidadão brasileiro com algum grau de instrução e discernimento ignorar a situação de completa insegurança jurídica causada por diversas decisões que, há algum tempo, vêm sendo proferidas por ministro do STF e referendadas por seus pares. Veja-se apenas alguns exemplos, entre muitos outros:
- instauração do inquérito nº 4781, mais conhecido como “inquérito das fake news”, eivado de irregularidades processuais desde o seu nascedouro e que ainda nem sequer foi concluído;
- a tese fantasiosa e fictícia do “golpe de Estado de 8 de janeiro”, que ensejou julgamentos arbitrários realizados sem a observância dos princípios da ampla defesa, do devido processo legal e da dignidade humana;
- casos mais diretamente ligados ao Estado americano, como ordens, do referido ministro do STF, de bloqueio de plataformas de mídia social dos EUA de empresas sediadas nesse país, portanto, atingindo cidadãos americanos, bem como estrangeiros com cidadania americana, em solo americano.
Tais circunstâncias levaram as empresas abrangidas por essas ordens a intentar ação perante a Justiça dos EUA, sustentando a impossibilidade do exercício de jurisdição extraterritorial por parte do mesmo ministro e a consequente inexequibilidade de tais decisões naquele país, uma vez que proferidas em desacordo com os instrumentos legais internacionais para cooperação judicial entre os dois países.
A história dos EUA revela uma tradição de luta pela afirmação da democracia, fundada em bases sólidas, tendo como pilares fundamentais a liberdade, os direitos humanos e o Estado de Direito.
Ao estabelecer o aumento das tarifas ao Estado brasileiro, bem como outras sanções não tarifárias, Trump invocou a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que garante a liberdade de expressão, em sua manifestação plena, e protege os direitos individuais contra a interferência do governo.
Assim, a decisão do presidente americano de impor sanções ao Estado brasileiro, que decorre da autoridade legal que o cargo de presidente da República lhe confere, não conteve qualquer abuso e tampouco afrontou a soberania nacional brasileira, pela simples razão de não ter ocorrido qualquer movimentação das forças armadas americanas que pudesse configurar uma eventual intervenção militar em nosso país.
De qualquer modo, as sanções americanas impostas ao Brasil afetarão sobremaneira o comércio bilateral e, certamente, provocarão graves consequências na economia brasileira.
Porém, não há outra alternativa senão buscar-se uma negociação, obviamente, sem qualquer enfrentamento, diante da evidente assimetria de poder entre ambos os países, para que seja restabelecido o entendimento diplomático de alto nível que sempre caracterizou as relações entre Brasil e EUA.
Afonso Grisi Neto é Mestre em Direito pela USP, Doutor em Ciências Sociais pela PUC e Procurador Federal aposentado.



