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O presidente do Senado, Renan Calheiros, está encalacrado. Ao longo de três semanas enfrentou as acusações da ex-namorada e seu advogado, veiculadas pela revista "Veja". Não resistiu 24 horas a um trabalho investigativo competente realizado pelos repórteres do "Jornal Nacional". Qualquer que seja o teor dos novos documentos que Renan Calheiros apresentará à Comissão de Ética do Senado para comprovar a sua renda, ele foi flagrado como forjador de documentos e falsificador de provas. Ficou em segundo plano a sua eventual ligação com a empreiteira Mendes Jr. A questão agora é outra: a inequívoca, indiscutível e insofismável quebra de decoro parlamentar.

A façanha jornalística é duplamente bem-vinda: evitou a afronta que seria o apressado arquivamento do processo do senador na Comissão de Ética e sufocou os recentes resmungos do presidente da República, secundado pelo ministro da Justiça, a respeito do trabalho da imprensa no acompanhamento das diligências da Polícia Federal, sobretudo no caso da Operação Xeque-Mate.

O governo erra quando investe de forma sistemática contra a sua imprensa. Ao tentar apresentar-se novamente como vítima de um complô midiático, o governo admite a sua incapacidade de emitir uma mensagem coerente e compreensível capaz de contrabalançar o que dizem os jornais e jornalistas.

Quem enterrou o PAC – a imprensa ou a maneira atabalhoada e tosca de apresentar e conduzir uma magno projeto de desenvolvimento? Quem coloca em dúvida os programas estratégicos do governo – a má-vontade dos formadores de opinião ou a própria Presidência da República com a sua insensata decisão de criar um Ministério do Futuro que desmoraliza liminarmente a capacidade de planejamento de todos os ministros e agências públicas?

A opção por uma enxurrada de manifestações diárias, improvisadas e, geralmente malsucedidas, produz um discurso presidencial fragmentado, contraditório e confuso no lugar de servir como guia e inspiração aos que não sabem o que pensar. Exemplo disso foi a descontraída solicitação ao presidente da CBF, Ricardo Texeira, para que forneça camisas de todos os clubes de futebol para serem usadas nas peladas presidenciais. Considerando a má-fama da instância máxima do nosso futebol e a facilidade com que hoje operam os lobbies e lobistas, o impensado apelo pode ser mal-entendido. Bola pra frente.

No país da piada pronta – para usar a imagem criada pelo satirista José Simão – é preciso pensar duas vezes antes tentar uma tirada humorística. A ministra do Turismo, Marta Suplicy, evidentemente não atentou para o efeito perverso da sua tirada ao sugerir, sorridente, que os viajantes aéreos, malservidos e revoltados, optem por "relaxar e gozar" depois dos atrasos e vôos cancelados.

Gafe do ano, constatação da incapacidade do governo em resolver o apagão aéreo que se encaminha para o nono mês, e o pior – exibição sem retoques do populismo grosseiro, chulo e endinheirado, que uma elite sem mensagens oferece como bandeira às massas atarantadas.

Ao invés de fustigar a imprensa, o governo deveria estimulá-la a prosseguir no esforço saneador. Cada crítica justificada, cada denúncia investigada, cada impulso de ceticismo fundamentado deveria merecer uma condecoração. Só assim seria possível atalhar a associação entre a auto-estima palaciana e o auto-engano dos burocratas responsável por outra perigosa combinação: arrogância e inação.

Apesar da quase euforia em matéria econômica, o quadro é preocupante justamente porque algumas aparências de prosperidade esvaziam qualquer correção mais enérgica. A reforma política que parecia ser a mais fácil e precursora está sendo liquidada no nascedouro simplesmente porque nos laboratórios do poder não se conseguiu identificar o pecado político original.

O governo parece que não lê jornais, prefere as súmulas indiferenciadas. Na verdade não avalia as virtudes do bom jornalismo.

Alberto Dines é jornalista.

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