O presidente Lula emendou os poucos dias de descanso da folga da virada do ano com mais quatro dias de breve férias com a família, a partir de ontem, nas paradisíacas praias baianas, na Base Naval de Aratu, a 40 quilômetros de Salvador. É justo. Lula confessa que está exausto, depois do desgastante ano velho das CPIs da crise do mensalão e do caixa 2, que implodiu o PT e respingou no Palácio do Planalto, da maratona das viagens domésticas e ao exterior e da violência crescente das denúncias, críticas e acusações da oposição desvairada. Esta é a versão oficiosa para a escapadela, sussurrada pela turma da casa, enquanto o véu de mistério resistiu à bisbilhotice dos colegas da vigilante mídia brasiliense. No máximo, uma meia-verdade: Lula adora viajar, estimulado pelo clima de campanha, com os requintes do Aerolula, para os dois, três, quatro improvisos da cota diária para platéias selecionadas, receptivas e calorosas.

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A fadiga incomum deve ser debitada à quebra da rotina do seu desafogado expediente – com a agenda mansa de conversas, solenidades, encontros, reuniões para as prosas políticas e as pausas para receber as visitas, que rendem o registro nos noticiários de jornais e tevês – pela operação de emergência, imposta pelo alerta das pesquisas e a grita das reclamações. Ora, ele não está acostumado a esse tipo de trabalho, ao maçante esforço de debater com ministros, secretários, assessores, soluções improvisadas pela emergência, para acudir ao desastre que ameaça tragar a sua reeleição, desqualificada do favoritismo absoluto para a faixa cinzenta da dúvida, com índices abaixo da dupla tucana do prefeito de São Paulo, José Serra e do governador paulista, Geraldo Alckmin. Não tem paciência para examinar projetos, ler resumos de relatórios, discutir alternativas técnicas. O exercício do mandato é encarado como uma festa, no revezamento dos compromissos domésticos e internacionais, em que é recebido com pompa e os paparicos de líder emergente do bloco dos subdesenvolvidos, desfruta do conforto da hospedagem em palácios ou hotéis de luxo e discursa, lendo textos repassados pelos diplomatas e com brecha para o encaixe dos improvisos. De repente, a crise da corrupção, a grita nacional pelo descalabro da rede rodoviária, com milhares de quilômetros intransitáveis pelo abandono do desleixo, empurrou-o para o vórtice do furacão. Não havia saída pela portinhola do fundo e, justiça seja feita, com resignação e garra, Lula sacudiu o torpor da máquina enferrujada pelo desuso, puxou orelhas ministeriais, passou pitos e cobrou providências. Afinal, estafado pela falta de prática e de jeito, entrou em férias.Não deve cultivar ilusões. Nem a oposição baixará o tom na escalada de cobranças, críticas e denúncias, nem o pacote aviado às carreiras promete mais do quem um alívio que não irá além do vazio do Congresso, na descarada madraçaria da convocação extraordinária, ao custo do desperdício de R$ 100 milhões. Passei, na volta de Nova Friburgo, por trechos da BR-101, com desvios de meia-pista para a frenética operação tapa-buracos. Francamente, raspa pela tapeação. Claro, sempre é melhor do que nada. Mas a massa de piche atirada na buraqueira, com crateras de metros de extensão, não agüenta o ano da previsão otimista do estremunhado ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Se a chuvarada continuar pelo verão não chega ao outono e arruína a jogada eleiçoeira. Mesmo nos trechos remendados, para fugir da trepidação, a maioria dos carros continua a trafegar pela faixa esquerda.

Afinal, nem é o que importa. Como justifica com inocente candura o coordenador da Unidade de Infra-estrutura Terrestre (Unit), no Piauí, Sebastião Ribeiro, ''a determinação do presidente é zero de buraco em seis meses, mas acreditamos que em 120 dias já daremos uma resposta à sociedade''. Ou ao eleitorado, para ser mais claro. Obras ao toque da zabumba, sem licitação, com a Viúva escancarando o cofre ao saque de R$ 400 milhões para os retoques de emergência, já com a promessa de novo mutirão para o segundo mandato, costuma render mais queixas no clamor da decepção do que votos reconquistados.

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Mas, se o presidente atirou carapuças ao vento ao afirmar que se sente traído "porque alguns companheiros meus fizeram práticas que não condiziam com aquilo que era a história do PT" – sem citar os nomes dos traidores ocultos; se não viu, não soube, não desconfiou da inundação amazônica de milhões para a mais cara campanha jamais vista, ultrapassou os limites da credibilidade na pergunta que atirou na cabeça dos ministros reunidos para debater a operação tapa-buracos: – Como a gente chegou a uma situação destas? Boa pergunta, presidente. Tem a palavra para a resposta que a sociedade espera, com encolerizada perplexidade.