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O Brasil está ficando esquisito. Violência sempre existiu. A decantada cordialidade brasileira dissimulou, frequentemente, o lado sombrio do nosso cotidiano. Mas agora é diferente. Não se põe o sol sem que imagens brutais alimentem a edição dos telejornais da noite. Linchamentos começam a fazer parte da rotina informativa. Para onde vamos? Como é que chegamos a isso? Todos sentem que a coisa está mal parada e não vai acabar bem.

Recentemente, Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, deu sugestiva entrevista à jornalista Sonia Racy, editora da coluna Direto da Fonte, do jornal O Estado de S.Paulo. Vale a pena reproduzir suas declarações: "Estou aqui há 42 anos e acho que esta é a eleição mais difícil da história do Ibope. A impressão que me dá é de que realmente o Brasil precisa fazer uma reforma política, mas fazer mesmo. Sinto que as pessoas estão nauseadas, enfadadas, não sei o termo, estão enojadas. A princípio, pela leitura das pesquisas hoje, quem é o grande ganhador da eleição? Ninguém. Está cada vez maior a fatia de branco, nulo, indeciso". A decepção com a política é completa. "Se o voto fosse facultativo, quase 60% não votariam nesta eleição. As manifestações do ano passado já foram um aviso disso. Eu diria que qualquer um dos candidatos que vencer a eleição será uma zebra –qualquer um, porque o desânimo, a tristeza com a política, a falta de sonhos e de programas é imensa".

As reflexões de Montenegro explicam muita coisa e acendem uma poderosa luz vermelha. A sociedade está exaurida. A incompetência e a impunidade são o estopim da radicalização. Os problemas de mobilidade urbana, falta de segurança, carências na área da saúde, da educação passaram da conta. Pronunciamentos na tevê e transferência de responsabilidade não funcionam mais. Não adianta falar das maravilhas do Mais Médicos para uma pessoa que é maltratada no posto de saúde. É ridículo anunciar bilhões para mobilidade urbana para gente que passa, diariamente, três ou quatro horas numa condução para chegar em casa ou no trabalho. O povo cansou. E a exaustão pode despertar forças incontroláveis.

Os linchamentos, assustadoramente frequentes, refletem a perigosa e radical descrença das pessoas nas instituições democráticas. O risco do caos social não é uma hipótese alarmista. E a possibilidade de uma solução radical e autoritária também não. A defesa da democracia passa pelo fim da impunidade e por respostas claras às justas demandas da sociedade. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça que vai minando a República. Pagamos impostos extorsivos e recebemos serviços públicos de péssima qualidade. A economia range não por falta de vigor e de empreendedorismo. Ela está algemada por uma infraestrutura que não funciona e, por isso, os produtos não chegam ao destino.

Os políticos e governantes precisam acordar. Os justiçamentos, terríveis, são o primeiro passo de comunidades que começam a virar as costas para as estruturas do Estado. É preciso dar uma resposta efetiva aos legítimos apelos da sociedade e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. O isolamento mental de Maria Antonieta, em 1789, acabou na queda da Bastilha. A história é boa conselheira. Os políticos precisam sair um pouquinho da Ilha da Fantasia e sentir a temperatura do Brasil real. Os brasileiros merecem respeito.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais (IICS).

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