As atuais dificuldades por que passam as relações do Brasil com a Bolívia são mais um capítulo de uma história de convivência internacional marcada por peculiaridades, avanços e recuos decorrentes de ser essa Nação vizinha uma entidade especial em sua geografia, em seus componentes humanos e em sua história. Geograficamente, a Bolívia é uma área de pressões, dividida entre o Altiplano – rico em minerais e mais populoso – e o Oriente, rico em petróleo e áreas de agricultura, região nodular importante nas comunicações entre o Pacífico e o Atlântico e entre a Amazônia e o Prata, área mediterrânea de contato fronteiriço com cinco países. Tendo perdido seu extenso litoral em conseqüência da Guerra do Pacífico, iniciada com a ocupação pelo Chile de Antofagasta, em 14 de fevereiro de 1879, maiores se tornam para a Bolívia suas solicitações amazônicas e platinas.

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O grande espaço geográfico boliviano é ocupado por duas raças distintas que constituíram sua base étnica: os Aimarás, descendentes dos Incas e dominadores, e os Quichuas, dominados. Sobre elas iria sobrepor-se o branco que as escravizaria. A população boliviana é predominantemente constituída de índios e mestiços (cholos), aqueles ocupando suas áreas ancestrais na vastidão boliviana.

Até mesmo dentro do confuso processo de emancipação das colônias espanholas da América do Sul, a Bolívia constitui-se em capítulo à parte. Esse processo histórico desenvolveu-se sob a égide de dois grandes líderes: Simon Bolívar(1783–1830), ao norte, e José de San Martin(1778–1850), ao sul. San Martín cruza os Andes e vai, ajudado por Bernardo O’Higgins, libertar o Chile e o Peru. Esse ímpeto em direção ao norte o leva a um histórico encontro com Bolívar em Guaiaquil; conversa secreta da qual a história nada registrou sobre o que houvessem falado. Após esse encontro, San Martín recolhe-se à sua terra e Bolívar incumbe um de seus generais – Antonio José de Sucre (1795–1830) – de completar a obra da independência do Alto Peru, derrotando os espanhóis e proclamando a República da Bolívia que governaria por dois anos. Dois anos depois de deixar o poder, morre assassinado. Ponto de partida para uma longa instabilidade política, com ditaduras golpes e revoluções.

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A história das relações entre o Império do Brasil e a Bolívia gira em torno de nosso empenho em regularizar as questões fronteiriças, indefinidas desde o tratado de Santo Ildefonso (1777), que se seguiu ao Tratado de Madri de 1750. Um dos momentos mais delicados dessas relações ocorreu durante a Guerra da Tríplice Aliança contra López, quando o ditador boliviano Mariano Melgarejo (1818–1871) ameaçou aliar-se ao ditador paraguaio, conforme expresso em carta que lhe enviou e datada de 3 de agosto de 1866, em um dos momentos mais críticos da campanha. Apressou-se o governo imperial a mandar a La Paz missão diplomática que, depois de difíceis negociações, assina o Tratado de Limites de 27 de março de 1867, quando pela primeira vez cogita-se de construir a estrada de ferro Madeira–Mamoré, facilitando a saída do oriente boliviano para o Atlântico. A concessão é dada pela Bolívia a capitais e engenheiros ingleses e americanos, mas revela-se um fracasso com a construção de apenas 17 quilômetros. A partir daí, decidiu-se o Império brasileiro a vivificar sua vasta e despovoada fronteira de 3.125 quilômetros com a Bolívia, ainda mais que a Guerra do Paraguai mostrara os resultados do isolamento de Mato Grosso. Datam dessa época inúmeros projetos de construção ferroviária visando a superá-lo. Um deles, o do Barão de Mauá, de 1872, ligando Curitiba–Miranda–Corumbá–Sucre, foi derrotado pela crise de 1875, mas seus trabalhos preliminares nos deixaram o interessante livro escrito por um dos seus engenheiros, o inglês Thomas Bigg-Witters.

O ciclo nascido do extenso uso e da enorme valorização da borracha marcaria os passos da crise seguinte em nossas relações com a Bolívia. A frenética busca pelo então chamado "ouro negro", intensificada a partir de 1850, e a não-demarcação e a imperfeita caracterização da fronteira na região do Acre propiciariam a invasão de parte do território boliviano por seringueiros brasileiros. Quando em dezembro de 1902, o Barão do Rio Branco assumiu o Ministério das Relações Exteriores da República, o Acre era uma região conflagrada. Agindo com presteza e habilidade, o nosso chanceler optou pela negociação direta ainda que mais onerosa, tendo em vista a ameaça de internacionalização do problema com a presença do Bolivian Syndicate, verdadeiro "cavalo de Tróia" do capital internacional. Receava-se a repetição do episódio do Estado Livre do Congo com o qual as potências européias no Congresso de Berlim de 1877, lesaram os direitos históricos de Portugal na África. O pagamento pelo Brasil de 110.000 libras esterlinas encampou o Bolivian Syndicate e o afastou do problema. A proposta de compra do Acre é inicialmente rejeitada pela Bolívia, mas, afinal, prevaleceu o bom senso e, em 17 de novembro de 1903, foi assinado em Petrópolis, Rio de Janeiro, o que Rio Branco denominou "tratado de permuta de território e outras compensações". Essas compensações foram importantes e incluíam, além da permuta de territórios na fronteira, o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas e a construção pelo Brasil da Estrada de Ferro Madeira–Mamoré, que representou um custo de mais 9 milhões de libras.

Desde o Tratado de Petrópolis, nossas negociações com a Bolívia giravam em torno não só de acertos de limites como em aspectos da vinculação ferroviária e da participação do Brasil na exploração das riquezas bolivianas em hidrocarbonetos. A vinculação ferroviária, prevista desde o Tratado de Natal de 1928, com o financiamento pelo Brasil de 1 milhão de esterlinos-ouro para a construção de uma ferrovia de 650 quilômetros, de Corumbá (ou Porto Esperança) a Santa Cruz de la Sierra, seria reafirmada por um acordo assinado pelos presidentes Getúlio Vargas e German Busch, em 25 de fevereiro de 1938. Ferrovia inaugurada em 5 de janeiro de 1955, com a presença do presidente Café Filho.

As tratativas sobre a exploração petrolífera sempre se desenvolveram sob grande suspeição dos bolivianos, não obstante ser o Brasil o desaguadouro natural dessa riqueza de nossos vizinhos. Essas suspeitas tornaram-se mais agudas com a criação da Petrobrás em 1953, como empresa monopolista. Três anos depois era criada a estatal boliviana. O interesse do Brasil e suas necessidades em petróleo resultaram em amplas e extensas negociações nos anos de 1956/58 que ficaram conhecidas como os acordos de Corumbá–Roboré–La Paz. Dessas negociações resultaram a liquidação de detalhes na demarcação da fronteira, na concessão ao Brasil da chamada Área B, de 13.000 quilômetros quadrados, para exploração petrolífera por empresas privadas brasileiras e no desenvolvimento de ampla cooperação financeira e técnica entre os dois países, arcabouço para o desenvolvimento das relações até nossos dias.