| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Apensada ao projeto Escola sem Partido, tramita na Câmara dos Deputados uma proposta de autoria do deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) que confere aos professores de todo o país o direito à livre manifestação do pensamento dentro das escolas. Trata-se do PL 6.005/2016, batizado de “Escola Livre”, cujo texto tem inspirado projetos de lei em diversas casas legislativas. Além de inconstitucional, a proposta é demagógica e irresponsável. Se fosse aprovada e aplicada, introduziria – ou melhor, institucionalizaria – o caos nas escolas brasileiras.

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“Qual o problema?”, perguntará o leitor. “Os professores não desfrutam do direito à livre manifestação do pensamento?” É claro que sim! Mas não dentro das escolas; não no exercício do magistério. O direito à livre manifestação do pensamento é incompatível com o exercício da função pública e, de modo especial, com o exercício da atividade docente.

Em que consiste tal direito? Liberdade de expressão é o direito de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto, independentemente de censura ou licença. É a liberdade que se exerce no Facebook (não entro aqui na recente discussão sobre a censura nas redes sociais). Sendo assim, é evidente que, se um professor desfrutasse dessa liberdade em sala de aula, ele não seria obrigado a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina. Ou seja, ele não seria obrigado a dar aula: poderia passar o tempo todo de todas as aulas falando qualquer coisa sobre qualquer assunto (religião, sexo, política, futebol, novela, gastronomia, vida privada etc.), e ninguém poderia repreendê-lo por isso.

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A Constituição não garante aos professores a liberdade de expressão, e sim a liberdade de ensinar

Ora, não é preciso muito esforço de raciocínio para perceber que, se os professores não tivessem de dar aula, o direito à educação dos alunos ‒ garantido pelo artigo 205 da Constituição ‒ seria letra morta.

Se o projeto Jean Wyllys fosse aprovado, os professores, além de não mais serem obrigados a transmitir aos alunos o conteúdo específico das suas disciplinas ‒ o que muitos, notoriamente, já não fazem ‒, teriam o direito de usar suas aulas para fazer pregação religiosa, ideológica, política e partidária ‒ o que muitos, notoriamente, já fazem. E, nesse caso, os princípios constitucionais da impessoalidade (artigo 37) e da laicidade do Estado (artigo 19, I) também seriam letra morta.

Letra morta também seria a liberdade de consciência e de crença dos alunos (artigo 5.º, VI, da Constituição), já que eles teriam de escutar, querendo ou não, a pregação religiosa, ideológica, política e partidária dos professores (lembrando que a presença dos alunos em sala de aula é obrigatória).

Se desfrutassem de liberdade de expressão, os professores não seriam obrigados a apresentar aos alunos o “outro lado” das questões controvertidas abordadas em sala de aula; o horizonte de conhecimento dos alunos ficaria limitado às opiniões do próprio professor. Dessa forma, o direito ao pluralismo de ideias e a liberdade de aprender dos estudantes ‒ previstos no artigo 206 da Constituição ‒ também seriam letra morta.

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Por outro lado, é certo que a liberdade de expressão também compreende o direito do indivíduo de manifestar amplamente as suas simpatias e antipatias. Ocorre que a Lei 8.112/90, aplicável a todos os professores das instituições federais de ensino, estabelece, em sintonia com o princípio da impessoalidade, que: “Art. 117. Ao servidor é proibido: (...) V – promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”. Considerando que o “recinto da repartição” do professor é a escola e a sala de aula, temos que, se o projeto Jean Wyllys fosse aprovado, esse dispositivo da Lei 8.112/90 ‒ uma regra tradicional do direito administrativo brasileiro, reproduzida em inúmeras leis estaduais e municipais ‒ também seria letra morta.

Como se vê, a liberdade de expressão é incompatível, de um lado, com o direito dos alunos à educação, ao pluralismo de ideias, à liberdade de aprender e à liberdade de consciência e de crença; e, de outro, com os princípios constitucionais da laicidade e da impessoalidade.

Portanto, ao garantir aos professores o direito à livre manifestação do pensamento, e dizer, ao mesmo tempo, que devem ser respeitados os princípios, direitos e garantias estabelecidos na Constituição, o projeto Jean Wyllys está criando uma contradição jurídica insolúvel, já que não é possível ter direito à livre manifestação do pensamento e estar obrigado a respeitar todos os princípios e garantias constitucionais aqui mencionados (mas omitidos, convenientemente, na proposta do deputado).

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É por essas razões que a Constituição não garante aos professores a liberdade de expressão, e sim a liberdade de ensinar, isto é, a liberdade de escolher a melhor forma de transmitir um determinado conteúdo aos alunos. Que conteúdo? Aquele que o professor se acha profissionalmente habilitado a lecionar.

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Ao confundir liberdade de ensinar com liberdade de expressão, o projeto Jean Wyllys viola de uma só vez os artigos 5.º, VI (liberdade de consciência e de crença); 19, I (laicidade do Estado); 37 (impessoalidade); 205 (direito à educação); e 206, I e II (pluralismo de ideias e liberdade de aprender), da Constituição.

Mas o show de demagogia não para por aí. Como se não bastasse outorgar aos professores o direito à livre manifestação do pensamento, a proposta também reconhece a liberdade de expressão aos estudantes. Ou seja: se o projeto virasse lei, e a lei fosse seguida à risca, estudantes e professores teriam o mesmíssimo direito à fala dentro da sala de aula. Todos poderiam falar o que bem entendessem ao mesmo tempo. E o professor não poderia nem mesmo exigir silêncio, pois isso seria uma forma de cerceamento à liberdade de expressão dos alunos, isto é, censura. É a receita do caos.

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O objetivo do projeto é um só: conferir ares de legitimidade democrática à propaganda ideológica, política e partidária que come solta nas escolas e universidades. Integrante do PSol – um dos partidos que mais lucram politicamente com essa prática covarde, antiética e ilegal –, o deputado Jean Wyllys atua no sentido de oferecer uma falsa base jurídica para a doutrinação, a fim de confundir a opinião pública e encorajar a ação dos militantes disfarçados de professores. É mais uma tentativa de assassinato perpetrada pela esquerda contra a educação brasileira.

Miguel Nagib, advogado, é coordenador do Escola sem Partido.