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A atual Constituição, na sua essência, vale dizer, no fundamental, tem natureza principiológica. Daí que as mais de 60 emendas constitucionais já promulgadas não conseguem desfigurá-la completamente, pois os princípios que lá permanecem continuam a irradiar sua influência, criando tensão com as novas regras introduzidas, muitas em negação ao que dispõe a principiologia.

Nessa ambiência caótica em que o Executivo exagera no exercício de suas competências, predominantemente por medidas provisórias, e o Congresso se omite na produção legislativa, o papel aberto ao Judiciário é amplíssimo. Têm-se tido exemplos de que o Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função primordial de guarda da Constituição, vai realizando, por meio das suas decisões, construções constitucionais, a tarefa de fixar padrões de comportamento, em vários campos, preenchendo vazios da lei, suprindo as insuficiências existentes em certos casos e o exagero dos demais poderes, em outros.

Em realidade, há um princípio que precisa ser vitalizado pela nossa Suprema Corte, principalmente para reduzir as arbitrariedades praticadas no âmbito da tributação e das finanças públicas. Trata-se da transparência, vale dizer, de dar claridade, abertura à opinião pública para tomar conhecimento do que ocorre camuflado nos mecanismos e instrumentos tributários e financeiros, e das corrupções e desvios que propiciam.

Colocar à luz solar o que está escondido ou camuflado na aridez das nossas normas jurídicas, consagrando injustiças, disfunções e extorsões legalizadas, em detrimento do nosso povo humilde e ainda sumamente desprotegido.

A predominância de nossa tributação dá-se mediante tributos indiretos. Em torno de 80% do que é arrecadado pelo poder público, União, estados, Distrito Federal e municípios, ocorre por meio dessa forma de tributação. A lei elege como contribuintes, que devem pagar os impostos, contribuições e taxas, o setor empresarial – importadores, industriais, prestadores de serviço, produtores rurais, instituições financeiras. Arrecada-se concentradamente desses personagens estratégicos, que incluem no preço final do que produzem – mercadorias e serviços –, como custos, esses tributos pagos, que, por mecanismos de mercado, vão sendo transferidos ao consumidor desses bens, embutidos nos seus preços finais.

E aí se verifica a maior distorção do nosso sistema tributário. Embora o princípio básico da tributação seja o da capacidade contributiva, vale dizer, a aptidão para suportar o encargo tributário mantido o nível de bem-estar e de atividade econômica do contribuinte, a realidade é que quem suporta efetivamente o poder público são as classes trabalhadoras e a média. São milhões de pessoas de baixa ou média renda, a absorver carga tributária absurda e injusta, sem ter consciência disso, ou, tendo-a, sem agir para mudar a situação.

Sem mais alongadas explicações, chego à "maior distorção" anunciada anteriormente. É que essa carga tributária, transferida por camuflagem no mecanismo de preços, vitima regressivamente os de menor capacidade contributiva. Tanto menor a renda, tanto maior a carga tributária absorvida pelo consumidor final. Ou, em outros termos, quanto maior a renda, menor a carga tributária. Nosso sistema tributário é acentuadamente regressivo e injusto. Esfola os pobres e remediados, protege e premia os ricos. Caricatura real e verdadeira do nosso Brasil.

Osiris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.osirisfilho@azevedolopes.adv.br

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