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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Fernando Collor, logo que assumiu a Presidência do Brasil, afirmou que as montadoras de automóveis aqui instaladas produziam carroças em vez de carros. Essa frase, com certa razão, foi pronunciada, obviamente, para justificar a abertura comercial e pôr fim a uma era de industrialização que se iniciou ainda com Getúlio Vargas. Desde então, até por conta da concorrência provocada por inúmeras outras montadoras que vieram produzir no Brasil, todas elas aprenderam a lição e estão produzindo automóveis melhores, mais confiáveis, mais econômicos e mais seguros. Enfim, deixaram de produzir carroças.

De fato, para o setor automotivo a abertura comercial foi positiva e louvável, mas, para os demais setores, a abertura comercial ainda vem sendo bastante amarga. Alguns setores, como o de máquinas e equipamentos, praticamente já não existem mais. Outros se tornaram gestores de marcas; importam os bens da China ou de algum outro país e os revendem internamente. De qualquer forma, a indústria brasileira se encolheu.

Desde a Operação Carne Fraca, pouco foi feito pelas autoridades para elevar a reputação do setor agropecuário

Esse encolhimento é chamado de desindustrialização e não é um fenômeno particular ao Brasil: ele ocorre principalmente em alguns países desenvolvidos, a exemplo dos próprios Estados Unidos. A diferença é que os países desenvolvidos começaram a perder indústrias quando a renda per capita da população girava em torno de US$ 15 mil, enquanto que no caso brasileiro a renda estava em US$ 5 mil. É inegavelmente uma desindustrialização precoce, que ainda tem um impacto muito grande em todos os aspectos da economia brasileira.

A desindustrialização afeta empregos, o ritmo de desenvolvimento da ciência e tecnologia, a lucratividade das empresas e, igualmente, as transações comerciais com outras nações. Um país com menos indústria exporta menos e importa mais. No caso brasileiro, salvo exceções, os setores que sustentam a balança comercial são o agronegócio e alguns relacionados a commodities minerais. No entanto, até mesmo algumas atividades do agronegócio estão atravessando, independentemente da taxa de câmbio, quase um tsunami de problemas. É o caso, por exemplo, do setor de carnes.

Desde que a Operação Carne Fraca foi deflagrada, em março passado, pouco foi feito pelas autoridades brasileiras para elevar a reputação do setor nos mercados internacionais. No auge do problema, o próprio presidente se colocou à frente das câmeras em uma churrascaria querendo demonstrar que a carne brasileira é de qualidade. Por ironia, alguns jornais divulgaram que a carne que tanto agradou o presidente não era de pastos brasileiros, mas importada. Passados alguns meses, a inércia provocada pela crise política e pelos escândalos de corrupção na maior empresa do setor chega também aos departamentos do governo federal, que pouco fizeram para mostrar a seriedade, se é que existe, dos sistemas de controle sanitário e em partes da cadeia produtiva da carne.

Leia também: A carne e a limpeza ética (artigo de Osmar Dias, publicado em 25 de março de 2017)

Leia também:  Os impactos da Carne Fraca nas exportações brasileiras (artigo de Marcos Piacitelli, publicado em 22 de março de 2017)

Por conta dessa inércia, a União Europeia, o segundo maior comprador da carne brasileira de frango e o terceiro de carne bovina, está sinalizando que poderá impor rigorosas sanções, e os Estados Unidos acabaram de anunciar a suspensão das importações de carne bovina fresca do Brasil. Perder compradores dessa magnitude é igualmente arruinar um setor extremamente importante para a economia brasileira. O Brasil vem perdendo sua indústria e, se nada for feito, corre um sério risco de também enfraquecer a agropecuária.

Muito mais que discursos e poses para fotos, é necessário um conjunto objetivo de medidas que melhorem todo o setor de carnes, que, embora ainda tenha uma vantagem comparativa nos mercados internacionais, está sempre sujeito às medidas sanitárias e outras políticas comerciais restritivas que podem facilmente afetar a produção e a exportação nacional. E, pelo andar vagaroso da boiada no Planalto Central brasileiro, pouco se pode esperar no curto prazo de uma política destinada a melhorar o desempenho do setor nos mercados internacionais.

Rodolfo Coelho Prates, doutor em Economia, é professor visitante do Middlebury College (EUA) e consultor econômico.
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