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À medida em que as pessoas "saem de casa" psicologi­­ca­­mente, tenderão a abandonar preconceitos e se tornar mais tolerantes à enorme diversidade da comédia humana?

O último paredão do Big Brother Brasil recebeu mais de 92 milhões de votos, um número absolutamente espantoso. O Brasil tem 198 milhões de habitantes e, portanto, é quase como se um em cada dois brasileiros se dispusesse a pagar para votar em quem fica e quem sai de uma casa em que, durante dois ou três meses uma fauna variada passa os dias conspirando uns contra os outros e participando de intrigas miúdas. Em suma, uma megaversão eletrônica dos fuxicos de comadre nas casas de vila do tempo de nossos pais e avós.

A popularidade desse tipo de programa, em que as pessoas se deliciam em observar outras pessoas fazendo coisas banais ou simplesmente não fazendo nada, não é um fenômeno isolado, pois faz parte de uma tendência compulsiva para a exposição pública das intimidades, as dos outros e as próprias. Exagero? Dificilmente. As "redes sociais" atraem milhões de pessoas para trocar informações, fotografias e escrever diários eletrônicos recheados de informações e de confidências que – oh, que pensamento antigo – deveriam supostamente, ficar na intimidade de cada um, como os antigos diários de meninas adolescentes. Agora, não. O bom é estar à vista de milhares, milhões de pessoas em todo o mundo.

Essa superexposição está repleta de riscos, como é óbvio. Para não falar nas redes criminosas, que coletam nos Orkuts e Facebooks da vida informações valiosas a respeito das suas vítimas potenciais, existe o risco real e comprovado de criar cadeias incontroláveis de difusão de notícias falsas, difamar a reputação de desafetos e utilizar-se das técnicas de manipulação de imagens da eletrônica digital para publicar fotos falsas e ultrajantes a respeito de quem não se gosta, exercício cada vez mais popular na internet.

A propagação descontrolada de boatos é uma realidade assustadora. Uma hora, é o alerta, repleto de bobagens e de inverdades, para que as pessoas não tomem a vacina contra a gripe, mas que encontra sempre ouvidos atentos na população. (E não se trata apenas de populações desinformadas, pois é conhecida a receptividade dessas mensagens em grupos que reagem contra as vacinas obrigatórias como milhões de norteamericanos, por exemplo, apesar dos 13 anos em média que passam em uma escola ao longo de suas vidas). Outra hora, é a denúncia de que os mapas do Brasil que constam dos livros didáticos nos Estados Unidos já não incluem a Amazônia como território brasileiro, outra tolice de larga circulação mesmo entre pessoas do meio universitário. A lista é interminável e, em alguns casos, escorrega para o sórdido e o macabro, como a divulgação de fotos dos cadáveres mutilados dos Mamonas Assassinas e das vítimas de outros acidentes aéreos. No entanto, acredito que o maior risco é o que corre a pessoa que, em busca do passaporte para ingressar nessa categoria fluida de "celebridade", abre sua vida à curiosidade dos outros, eliminando as fronteiras entre o que compõe a sua esfera privada e a dimensão pública de sua personalidade.

Pode, no entanto, haver um lado positivo em tudo isso? O sociólogo Roberto da Matta estudou de maneira extremamente criativa as contradições do comportamento do brasileiro dentro e fora de casa. A porta da rua da casa dos brasileiros separa uma sociedade composta por seres liberais, flexíveis, impregnados de pensamentos modernos e de tolerância social "na rua", de uma sociedade autoritária, retrógrada, cheia de preconceitos e da intolerância da porta da casa para dentro. Minha pergunta é: à medida em que as pessoas "saem de casa" psicologicamente, tenderão a abandonar tais preconceitos e se tornar mais tolerantes à enorme diversidade da comédia humana?

Paradoxalmente, só há uma área absolutamente opaca na sociedade brasileira de nossos dias: a vida pública, exatamente a que deveria ser totalmente exposta à curiosidade e à investigação de qualquer cidadão. Essa é protegida pelos mandarins que as dirigem a sete chaves, contra a curiosidade popular. De vez em quando, relaxam na vigilância e, então, a luz penetra nesses ambientes escuros, e a população fica horrorizada com o que acontece lá dentro fora de suas vistas.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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