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O colorido e a riqueza do debate público oferecem ao leitor de nossos jornais e revistas um curso diário sobre os problemas brasileiros. Se existisse uma classificação mundial da utilidade da imprensa, o Brasil certamente ocuparia posição superior à que detém no índice das universidades.

Há ainda os blogs especializados e os ensaios maiores acessíveis on-line sobre os assuntos mais diversificados. Do preço da eletricidade aos dilemas da Petrobras, do impacto da demografia sobre a previdência aos impasses da produtividade, da desindustrialização à inclusão nas cadeias mundiais de valor, do combate às drogas à importação de médicos estrangeiros, tudo é esmiuçado e às vezes esclarecido.

Tudo ou quase, para ser exato. Há problemas em que avançamos pouco ou nada. Pode ser culpa minha, mas nunca li algo de satisfatório sobre a criminalidade. Não só sobre o paradoxo da explosão do crime e sua propagação alarmante ao Norte e Nordeste numa conjuntura de pleno emprego, melhoria de renda e moderação demográfica. Tampouco se esclarece como a violência se converteu em ameaça nacional no Brasil e alguns latinos (Colômbia, Venezuela, México, América Central), mas não em outros, se o narcotráfico explica tudo, porque faltam propostas práticas e quase não existem experiências bem sucedidas.

Deixando por aí a menção de problemas específicos, o que também impressiona no debate atual é o ressurgimento da preocupação com a problemática do Brasil como um todo. Já não se trata, como nos tempos heroicos do ensaísmo, da interpretação do Brasil, da decifração do código genético de nossa formação. Para o bem ou para o mal, o país está formado e hoje o que se indaga tem a ver com seu funcionamento.

Os escritos dessa categoria nascem da consciência da crise, da desconfiança de que o Brasil não está dando certo, ao contrário do que se diz. Pioneiros como Francisco de Oliveira inauguraram a crítica do regime do PT a partir da esquerda, perspectiva retomada de modo original por Luiz Werneck Vianna. André Singer produziu talvez o primeiro esforço sistemático de racionalizar a hegemonia petista de um ponto de vista engajado. Outros autores que não menciono por falta de espaço agregaram percepções valiosas a essa análise basicamente ­­política-sociológica.

No oposto do espectro ideológico, avolumou-se corpo respeitável de estudos de economistas de correntes mais ou menos ortodoxas. O aspecto inédito reside agora na aspiração da abrangência de interpretação do conjunto como nos ensaios de André Lara Rezende, a introdução por Samuel Pessoa do tema do novo pacto social da Constituição de 1988 como opção pelo social em detrimento do econômico, os ângulos importantes de retificação ou complemento trazidos por Mansueto de Almeida e Marcos Lisboa.

Em contraste com a discussão sobre o critério do tripé ou a nova matriz macroeconômica, essa outra abordagem tem a vantagem da inclusão das dimensões sociais e políticas. Ela traz, sobretudo, ao centro do debate dúvida que tenciono abordar a seguir: o de investigar se existe uma tirania dos fatos que tornaria insustentável a atual política de redistribuição e inclusão.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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