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Iniciaremos este artigo recorrendo ao "óbvio ululante" de Nelson Rodrigues: a resposta à pergunta sobre o que deve ser mudado no sistema político brasileiro depende da concepção que tenhamos do que seja uma democracia eficaz e da forma pela qual os princípios democráticos se concretizam no atual sistema político brasileiro.

Para aqueles que têm uma concepção "participacionista" de democracia, o pleito de 5 de outubro foi motivo de júbilo. Afinal, segundo dados do TSE, tivemos cerca de 348.793 candidatos a vereador e 15.293 candidatos a prefeito nos 5.563 municípios brasileiros, num total de 128.806.000 eleitores. Ao fim do dia das eleições, os resultados eleitorais já estavam disponíveis na maior parte dos municípios, devidamente apurados por um total de cerca de 480 mil urnas eletrônicas. Os números são significativos e, em poucos países do mundo, podemos encontrar exemplo igual de eficiência na apuração dos resultados eleitorais em tão pouco tempo de uma massa tão grande de votantes.

Entretanto, para aqueles que consideram que a democracia é, antes de mais nada, um método para a tomada de decisão sobre assuntos públicos, um sistema político deve ser avaliado não apenas pelo grau em que assegura a "participação" dos cidadãos através de eleições, mas sim pelo equilíbrio que deve haver entre a representação, a participação e a eficiência alocativa do governo, ou "governabilidade".

Sob este aspecto, o sistema político brasileiro ainda deixa a desejar, apesar dos avanços que podem e devem ser celebrados. Apenas a título de exemplo, basta percorrer a lista de nomes dos candidatos a vereador em qualquer cidade brasileira. É uma profusão de nomes estranhos, muitos deles sem qualquer vinculação partidária e pegando carona nas eleições para ter acesso aos seus quinze segundos de fama, se tanto, no horário eleitoral gratuito. Ora, o excesso de partidos e de candidatos a cargos legislativos e às prefeituras impede que se estabeleça uma relação mais estreita entre eleitor e representante. Por isso, os índices de "amnésia eleitoral" no Brasil estão entre os mais altos do mundo. No dia da posse dos órgãos legislativos, são poucos aqueles que se lembram no candidato em quem votou. Como pedir que cidadãos assim tão pouco informados, fiscalizem e acompanhem as atividades de seus supostos "representantes"?

Assim, um primeiro aspecto que pode ser modificado no sistema político brasileiro é o excesso de candidatos aos pleitos eleitorais e a profusão de siglas partidárias, muitas delas de aluguel, especialmente para eleições legislativas. Em Curitiba, por exemplo, tivemos cerca de 800 candidatos para 38 vagas de vereador, num total de mais de 20 candidatos por vaga. Assim, faz-se mister que se diminua o número de candidatos às eleições municipais, de preferência reduzindo o limite de candidatos que cada partido pode apresentar.

Outras formas de disciplinar a manifestação da vontade do eleitor, evitando a proliferação de candidatos "carona", são a instauração do sistema de lista fechada ou, alternativamente, do sistema distrital, como querem alguns. Minha opinião é que, ao menos nos próximos pleitos municipais, deve ser instaurado o sistema de lista fechada, para disciplinar mais as candidaturas às Câmaras Municipais. Caso o sistema não funcione, pode-se aventar a hipótese de instauração de um sistema distrital misto ou mesmo puro, tal como nos EUA e Inglaterra. O ponto negativo desse sistema é que diminui em excesso o número de partidos, reduzindo-os a apenas dois partidos que se alternam no poder, dificultando a representatividade de terceiros partidos.

Devem também ser eliminadas as coligações eleitorais outro mecanismo que falsifica a vontade do eleitor e favorece a proliferação de legendas de aluguel – e substituídas pelas federações de partidos, outra medida que pode ser útil no sentido de fortalecer a representação política, as instituições partidárias e os órgãos legislativos.

Por fim, creio que deve-se tirar definitivamente da agenda pública brasileira a necessidade de realização de uma "reforma política", entendida como um pacote articulado de medidas que promova alterações bruscas no sistema político brasileiro. Essa expressão revela uma pretensão algo megalômana de "refundar a República", além de desconhecer os avanços que já foram feitos em nossa democracia. Tais alterações ou aperfeiçoamentos deveriam ser feitos de forma incremental e através de instrumentos de legislação ordinária, tais como os projetos de lei, como é comum em qualquer democracia mais institucionalizada. Talvez se nossos legisladores fossem menos megalômanos e mais focados em aperfeiçoamentos incrementais, as tentativas de aperfeiçoamento seriam mais bem sucedidas, resolvendo os impasses e "paralisias decisórias" que são comuns nessa área temática.

Sérgio Soares Braga é professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR.

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