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O Estatuto da Metrópole preconiza o plano de desenvolvimento urbano integrado: a continuidade territorial, a interdependência de municípios e os “gargalos” decorrentes são desafios para a gestão da função pública de interesse comum e exige políticas públicas harmonizadoras de impactos, devido à complementaridade funcional. Enquanto um organismo vivo, sem fronteiras e vulnerável, o número de relações dessa complexidade urbana aumenta, na medida em que crescem seus anseios, o que pode tornar a sua gestão uma equação quase impossível, pois ainda permanece a percepção da parte isolada do problema, e não da sua unicidade.

É preciso recorrer às analogias para compreendermos: o emaranhado dessas relações, em desarmonia, causa nódulos, “tempos endurecidos”, uma vez que não são permitidos os fluxos saudáveis de energia vital das pessoas e das relações sociais e, assim, as cidades também podem chegar ao “infarto” ou à metástase. Estamos atentos à abstração, à subjetividade e à “metafísica” da mobilidade urbana, um subsistema da sustentabilidade? Qualquer tentativa de análise fragmentada de uma cidade passa a ser uma visão míope do entendimento do significado da cidadania e das relações de produção, de poder e de controle, pois não enfrentam a tangibilidade da invisibilidade das realidades que transcendem a experiência sensível.

Cidades dominadas por carros geram menos oportunidades

Uma emenda do recém-aprovado Plano Diretor de Curitiba trata a questão da mobilidade urbana, que tem sua política nacional fundamentada pela Lei 12.578, e aplica o sistema de transporte público por meio da integração temporal dos ônibus, permitindo ao usuário a troca de linhas de ônibus dentro de um mesmo custo, respeitado um determinado período de tempo, ao passo que a atual política de ordenamento territorial evidencia o conceito focado no adensamento populacional e no partido pelo “não deslocamento”. É bom lembrar que cidades dominadas por carros geram menos oportunidades, o que exige uma reflexão maior sobre esse desapego da sociedade e a busca por outras soluções do problema.

Assim, o sutil está na percepção, na conexão e no entendimento dessa sincronicidade conceitual. O que antecede à sua materialização e à sua gestão, por meio de técnicas, é a escolha cidadã pelo não deslocamento; de um lado, livre arbítrio; de outro, a “não escolha” gerada pelas distâncias físicas e pelas dependências que a ilusão do crescimento sem desenvolvimento proporciona. Se a posse do carro ainda simboliza o comportamento e a cultura, como definir o destino de uma cidade à luz da questão da mobilidade? Sob o arquétipo do boulevardier, colocamos como ativos econômicos sociais os mundos paralelos dos modais que geram independências e imparcialidades e, portanto, desobstruções. Sejam as integrações temporais dos ônibus, as bikes, os skates ou quaisquer novos objetos que traduzam a liberdade dessa “vadiagem” permitida, a cidade a pé, com menos rodas, mais lenta e mais humana, passa a ser rediscutida pela necessidade de se inverter a lógica antropofágica dos fluxos a favor de lugares melhores para se viver.

Por meio da caminhabilidade, a facilidade que as pessoas têm de se deslocar na cidade, ela é mais vivenciada e o tempo flui melhor.

Carlos Nigro, arquiteto e urbanista, especialista em Dinâmica de Sistemas e mestre em Gestão Urbana, é autor de (In)Sustentabilidade Urbana, professor e decano da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná.
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