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Dispõe o art. 60 que a Constituição poderá ser emendada mediante proposta de um terço da Câmara ou do Senado, do presidente e da maioria absoluta das Assembleias, ressalvada, entre outras matérias intocáveis, o voto direto, secreto, universal e periódico.

O rol de autores habilitados a modificar a Constituição, sendo exaustivo, se apresenta como lista fechada. De sorte que nem mesmo uma hipotética petição, subscrita pela totalidade do eleitorado, encerraria legitimidade para instaurar o procedimento reformista plasmado pelo § 2.º do mencionado art. 60. Convém sublinhar, de passagem, que nesse rito se contém a garantia da estabilidade constitucional, substancialmente superior às cláusulas pétreas. Sucede que, alterada esta formalidade, o estatuto fundamental equipara-se à lei ordinária, gerando o caos político. Além disso, o instituto da iniciativa popular, previsto pelo § 2.º do art. 61 da Constituição, tem seu campo de ação restrito ao processo de formação das leis, confinado no espaço infraconstitucional. Qualquer leitor verificará que a iniciativa popular se localiza na subseção “Das Leis”, e não na subseção “Da Emenda à Constituição”. Embora componham o capítulo do processo legislativo, lei e emenda receberam trato separado. Tanto é assim que o art. 12 da Lei Federal 9.709/98, reguladora dos processos de representação popular direta, estabelece que “a iniciativa popular consiste na apresentação do projeto de lei à Câmara dos Deputados”. Nesse sentido atua a Comissão de Legislação Participativa, pois o art. 32, XII, do Regimento Interno da referida Casa, no demarcar seu alcance temático ou área de atividade, confere-lhe apenas a função de receber sugestões de iniciativa legislativa, apresentadas por “entidades organizadas da sociedade civil”, sendo-lhe consequentemente vedado o conhecimento de “abaixo-assinados” populares.

A incansável pregação da ideia da constituinte, pouco importa se exclusiva ou ampla, inobstante a patente inviabilidade institucional, permite qualificar a pretensão reformista como ato frontalmente hostil à própria Constituição

Portanto, o anseio de modificar a Constituição pela via plebiscitária, tolhido pelas barreiras antes evidenciadas, também tem contra si a dependência de autorização do Congresso Nacional (art. 49, XV, da Constituição). Desnecessário assinalar a dificuldade em obtê-la, pois o terço dos membros de cada Casa, como visto, não depende de anuência popular para oferecer emendas. E mais, embora definido como direito político pelo art. 14, I, da Constituição, a norma regulamentadora do plebiscito (Lei Federal 9.709/98) conferiu-lhe tão-somente o caráter consultivo, restando ao povo responder sim ou não acerca de lei ou ato administrativo adrede formalizados.

Esse o obstáculo de natureza política e jurídica, impeditivo do acesso popular direto ao poder de reforma constitucional. Mesmo assim, sob o pretexto de aperfeiçoar o vigente processo democrático, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – juntamente com os sedizentes “movimentos sociais”, hoje na posse do poder social, difuso num largo espectro de agências filoestatais, a exemplo de MST e CUT – pretende substituir a vigente representação político-partidária pelos representantes dos ditos agrupamentos. Esta aventura fora objeto da frustrada tentativa contrabandeada no âmago do “bolivariano” Decreto presidencial 8.243, que instituiu a subversiva Política Nacional de Participação Social. A justificativa da CNBB é improcedente. Ela culpa o atual sistema representativo pela decadência dos costumes políticos e administrativos, como se a imoralidade procedesse do sistema e não da consciência das pessoas – instância, aliás, esta sim, da alçada ministerial dos respeitáveis prelados.

A incansável pregação da ideia da constituinte, pouco importa se exclusiva ou ampla, inobstante a patente inviabilidade institucional, permite qualificar a pretensão reformista como ato frontalmente hostil à própria Constituição. Tão obstinado proselitismo é fruto do devaneio ideológico, refletido na construção da “Pátria Grande” latino-americana, cuja fase preparatória se traduz numa nova ordem sociopolítica. Ao modelo de governo, idealizado por essas entidades revolucionárias, se pode tachar de democratura, ou seja: ditadura com disfarces democráticos.

Reginaldo Fanchin é ex-professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Curitiba e ex-professor do Seminário Maior Arquidiocesano Rainha dos Apóstolos de Curitiba.
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