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Rotativo do cartão de crédito é uma das formas mais caras de empréstimo.| Foto: Pixabay

Lançado em meados de julho, o programa Desenrola Brasil, criado pelo governo federal para ajudar a renegociar as dívidas dos mais de 70 milhões de brasileiros com o nome negativado, vem em boa hora e poderá colher bons resultados.

Só na terceira semana, o programa repactuou R$ 5,4 bilhões em dívidas e renegociou 905 mil contratos, mais do dobro dos R$ 2,5 bilhões e 400 mil contratos das duas semanas anteriores. Nesse período de vigência do programa, mais de 8,3 milhões de pessoas com dívidas bancárias de até R$ 100,00 saíram da lista de devedores, fora as baixas de registros de outros credores não bancários. Os dados são da própria Febraban.

A campanha do governo e toda a mobilização favorável à renegociação de dívidas vão contribuir para destravar a economia e elevar o poder de consumo de amplos setores da população, ao restaurar seu acesso ao crédito. Mas só isso não basta. É preciso aproveitar esse movimento para adotar medidas mais efetivas que impeçam a inadimplência de voltar a subir.

O crédito rotativo é quase uma exclusividade brasileira. Na maior parte do mundo, o não pagamento do valor integral de uma fatura do cartão leva ao parcelamento automático dessa dívida.

Agora em agosto, quando o Congresso se mobiliza para transformar em lei as Medidas Provisórias que instituíram o Desenrola Brasil, temos a chance de concretizar ao menos uma dessas necessárias mudanças: acabar com o malfadado “crédito rotativo” dos cartões.

Em 2022, a taxa de juros do crédito rotativo ultrapassou a marca dos 409% ao ano, a maior da série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 2012. Neste ano, as taxas praticadas já equivalem a um juro de 454% ao ano com 52% de inadimplência, segundo o Banco Central.

Esse ambiente econômico sabota qualquer política de redução da inadimplência. Sem uma revisão das regras de cobrança dos cartões de crédito, a começar pela eliminação dos juros rotativos, programas bem-intencionados como o Desenrola estão fadados a morrer na praia.

Felizmente, essa ideia vem encontrando eco na classe política. O ministro da Economia, Fernando Haddad, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já deram declarações favoráveis ao fim dos juros rotativos no cartão de crédito. Este último, em audiência pública no Senado, prometeu apresentar uma solução para o problema em até 90 dias.

Os ventos também sopram a favor no Congresso. O deputado federal Alencar Santana (PT), relator do projeto de lei do Desenrola Brasil, se comprometeu a propor um limite para a cobrança do rotativo, tomando por base as taxas praticadas na modalidade do cheque especial. O parlamentar acerta ao avaliar que uma política de renegociação de dívidas é inócua se não atacar simultaneamente o problema dos juros do cartão.

O setor bancário costuma argumentar que o fim dos juros rotativos acarretaria uma possível elevação das taxas gerais. Como apenas 5% dos usuários recorre ao rotativo, o custo de sua inadimplência seria, por esse raciocínio, diluído entre todos os demais usuários.

O argumento é falho pois ignora que, nessas circunstâncias, cabe às instituições financeiras criar mecanismos mais eficazes de avaliação de risco para orientar suas práticas de concessão de crédito e, principalmente, oferecer alternativas melhores de parcelamento e reestruturação de dívidas para os clientes que não conseguirem arcar com o valor total de alguma fatura.

Na verdade, o modelo atual repassa o custo dessa pequena inadimplência para o conjunto da sociedade, pois torna o acesso ao crédito mais caro e mais arriscado. A cobrança de juros rotativos é, afinal, uma das maiores responsáveis pelo efeito bola de neve que transforma atrasos pontuais de pagamentos, provocados por circunstância diversas, em dívidas absolutamente impagáveis, sobretudo entre os mais pobres.

O crédito rotativo é quase uma exclusividade brasileira. Na maior parte do mundo, o não pagamento do valor integral de uma fatura do cartão leva ao parcelamento automático dessa dívida. Nesse sentido, a eliminação do rotativo seria coerente com um movimento mais amplo de modernização do ambiente de negócios brasileiro, movimento representado, por exemplo, pelo avanço de uma reforma tributária que instituirá um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) similar ao utilizado nos países mais desenvolvidos.

Evidentemente, o fim do crédito rotativo não é uma solução em si. A redução da inadimplência exige transformações que vão da revisão das regras de parcelamento sem juros à redução da desigualdade, do reequilíbrio da relação entre bancos, bandeiras de cartão de crédito, adquirentes e varejistas até a valorização da educação financeira para nossas crianças e jovens.

Mas o fim do rotativo é, sem dúvida nenhuma, um passo na direção certa. Com a votação do Desenrola Brasil, o Congresso tem a chance corrigir essa antiga distorção do sistema financeiro brasileiro, dando solidez a uma política até então bem-sucedida de combate à inadimplência e promovendo melhoria concreta na vida dos brasileiros.

João Galassi é presidente da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) e Presidente da União Nacional de Entidades de Comércio e Serviços (Unecs).

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