| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

Trinta anos após a promulgação da Constituição Federal, pode-se dizer que o Brasil desfruta de um cenário de estabilidade institucional. Num país já habituado a periódicos golpes de Estado, o regime contemporâneo conta, ao fim de sua terceira década, com um aparato sofisticado de instituições dedicadas à defesa da democracia, além de eleições livres.

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Este cenário, contudo, não deixa de apresentar desafios. Justamente por ser ainda jovem, a democracia brasileira não teve a oportunidade de fincar raízes na sociedade. É o que parece explicar, ao menos em parte, a impressão geral de que há algo de frágil na nossa democracia, e o temor renitente de um novo retrocesso autoritário.

Para todos que nos preocupamos com a saúde da democracia, surge um dever de analisar e implementar formas de fortalecer o nosso regime. Mas é difícil aprimorar o que não se conhece muito bem. Uma maneira de diagnosticar com precisão as virtudes e os vícios de um sistema democrático consiste na avaliação científica dos seus aspectos essenciais. Estes são os medidores de democracia, instrumentos utilizados pela ciência política para aferir a qualidade dos sistemas democráticos pelo mundo. Um exemplo notório é o Democracy Index, da revista The Economist, que analisa mais de 100 democracias anualmente.

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É nos aspectos materiais que a democracia curitibana apresenta os mais graves problemas

Um problema comum dos medidores de democracia, entretanto, é um foco excessivo nas esferas nacionais de governo. Por mais que muitas decisões relevantes sejam tomadas pela instância federal, não se deve esquecer que a democracia não se restringe a ela. Um regime pode ser razoavelmente democrático em nível federal, mas apresentar problemas concretos em suas subdivisões regionais. Esta característica provavelmente não será apreendida por muitos instrumentos atentos apenas à democracia nacional.

Foi em vista desta realidade que o Instituto Atuação desenvolveu o Índice de Democracia Local. Trata-se de um esforço metodológico inovador, que permite o diagnóstico da realidade política das instâncias governamentais mais próximas dos cidadãos: as cidades. O índice foi elaborado em conjunto com um comitê global de alguns dos principais especialistas na área da mensuração democrática. O seu instrumental metodológico, já concluído, foi utilizado pelo Instituto na cidade de Curitiba, em 2017.

O Índice de Democracia Local divide os diversos aspectos da democracia em cinco categorias principais: direitos e liberdades civis, funcionamento do governo local, processo eleitoral e pluralismo, participação política e cultura democrática. Enquanto os três primeiros podem ser considerados elementos mais formais de um regime, como reflexo dos aparatos jurídicos e institucionais do governo, os dois últimos elementos concernem à sociedade civil, relacionando-se com a democracia na prática, da forma como ela é vivida pelos cidadãos.

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O diagnóstico de 2017 revelou que os aspectos formais da democracia local são razoáveis. Em suma, nosso processo eleitoral é isento e aberto à participação popular, nosso governo preserva um grau saudável de separação de poderes e de transparência, e os cidadãos costumam ter seus direitos respeitados. É claro que há inúmeros espaços para melhora em todos estes pontos, mas qualquer incremento nestas dimensões tenderá a ser gradual, construído em cima de bases já consolidadas.

Por outro lado, é nos aspectos materiais que a democracia curitibana apresenta os mais graves problemas. A nossa participação política tem níveis muito baixos, e a cultura democrática também se mostra bastante deficitária. As baixas pontuações nestas categorias, traduzidas por insuficientes apreço e conhecimento relativos à democracia, além da indisposição dos cidadãos para participar dela de forma ativa, significam que a democracia ainda não fincou raízes por aqui.

Leia também: Os riscos para a democracia em nível local (editorial de 6 de junho de 2018)

Nossas convicções: Cultura democrática

Não há como relativizar o papel dessas duas categorias. Uma sociedade que possui uma cultura política democrática terá altos níveis de confiança entre os cidadãos. Eles também terão vínculos associativos mais fortes: pertencerão a diversos grupos aptos a resolver seus problemas e participar da vida cidadã. Tudo isso num contexto de profunda compreensão do papel do governo, em suas diferentes instituições, e da cidadania como valor empregado na prática. Isso tenderá a significar menos burocracia, menor dependência do governo, uma participação política mais forte e um grau maior de identificação das instituições públicas com a sociedade a que elas servem.

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Para resolver esta situação, precisamos de um esforço conjunto para a melhoria dos índices de cultura democrática (e, consequentemente, de participação política) da população curitibana. É necessária a coordenação de esforços dos grupos relevantes da sociedade civil em prol do mesmo objetivo. Esse é o dever que todos temos como cidadãos.

Rodrigo Bley é pesquisador do Instituto Atuação.