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Como o atual conflito entre Rússia e Ucrânia pode fortalecer a segurança entre as nações?
| Foto: Bigstock

Todos nós estamos chocados e boquiabertos (para não dizer revoltados) com a Rússia de Putin. Como os russos puderam quebrar o paradigma de paz das relações internacionais que perdurava havia quase 80 anos? Acreditávamos que esse tipo de guerra por uma espécie de “espaço vital” não mais ocorreria no mundo após a queda do nazifascismo. Porém, isso aconteceu. E pasmem: tende a acontecer outras vezes mais, se Putin não for parado.

O atual conflito entre Rússia e Ucrânia nos leva a pensar sobre o papel da guerra e sobre a importância do Estado moderno, das relações internacionais e do Direito Internacional para a manutenção da paz entre as nações e entre os homens. Isso porque a guerra – apesar de ser sempre nefasta e aniquiladora – erigiu o Estado moderno e fortaleceu a segurança cívica. Certamente, Hobbes tinha razão quando denunciou que “todos contra todos” é o status natural das sociedades humanas. Por conseguinte, segundo ele, o Leviatã (Estado forte) precisa ser levantado para que a sociedade deixe de ser “terra de ninguém” e a paz seja estabelecida.

Por causa das guerras, o Estado moderno foi soerguido e a violência vem diminuindo nos últimos 500 anos, como observaram pensadores como Norbert Elias, Lawrence Keeley, Lewis Fry Richardson, Azar Gat, Steven Pinker e Iam Morris. Segundo tais autores, os fatos históricos e os achados arqueológicos comprovam que a guerra cria o Estado, e o Estado produz a paz.

Em certa medida, a paz conquistada por meio das guerras torna os governos mais fortes e seguros, criando as condições para o crescimento econômico e para a elevação da qualidade de vida. O desempenho desse padrão pode ser visto, por exemplo, tanto em 1648, com a “Paz de Westfália”, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e que foi firmada entre vários Estados, quanto em 1815, com o Congresso de Viena, que rearranjou a Europa. Tais eventos históricos que sucederam guerras terríveis forjaram o modelo do Direito Internacional que temos hoje.

Posteriormente, no período pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental alcançou grandes níveis de bonança e de seguridade com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu vários mecanismos fundamentais para o estabelecimento da paz e da prosperidade entre nações, entre os quais vale destacar: o Conselho de Segurança, com poderes sancionatórios reais, econômicos e militares (artigos 41 e 42 da Carta); a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco); a Organização Mundial de Saúde (OMS); a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO); a União Postal Universal (UPU); o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Mundial (Bird); e a Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Não fossem os horrores da guerra e as ameaças à paz, a democracia não teria se intensificado no ocidente. Dessa forma, provavelmente, em decorrência do conflito na Europa entre Rússia e Ucrânia, os mecanismos de segurança entre as nações se fortalecerão. No curto e médio prazos haverá mortes, violações dos direitos humanos e recessões econômicas, mas no longo prazo a democracia no ocidente se tornará cada vez mais forte e mais desenvolvida.

Num momento tão complexo como o que vivemos, é importante relembrarmos que a guerra não é o fim da história, muito menos a solução mais viável para o estabelecimento da paz no mundo. Porém, ela pode ser uma grande oportunidade para fortalecermos os princípios democráticos e humanitários que já temos.

Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP.

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