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Saúde: pequenos e médios hospitais sofrem com regulamentação onerosa
Saúde: pequenos e médios hospitais sofrem com regulamentação onerosa| Foto: Pixabay

O Senado recentemente aprovou um piso salarial de quase R$ 5 mil para uma categoria do setor de saúde. Isso faz pensar numa série de coisas que não podemos nos acovardar em mencionar, mesmo soando politicamente incorretas ao ouvido de muitos. Em primeiro lugar, é evidente que todos deveriam ganhar muito, ter um ótimo nível de vida, ser valorizados em sua profissão – e as profissões da área da saúde estão entre as mais nobres.

Políticos e governos marcam um gol de placa populista com aprovações de piso para qualquer categoria profissional.

Não que os profissionais não mereçam ganhar bem: eles merecem, mas o problema não é esse. O problema é que esse tipo de medida governamental (que eu não advogo nem para médicos, ou psiquiatras, classe da qual faço parte) distorce muito toda a cadeia produtiva. Se não me engano, médicos têm piso salarial, mas ninguém o cumpre, muito menos o governo. A sociedade achou um meio de burlar a regra contratando médicos como pessoas jurídicas (as unidades do governo, até onde eu sei, inclusive, são as que mais fazem isso; o governo, sim, pode burlar as próprias regras).

Sou diretor médico de um hospital filantrópico, que por ser pequeno e pobre, como muitos no Brasil, está quebrado. Só nos últimos três meses tive de injetar uns R$ 150 mil de meu bolso no hospital. Há inúmeras exigências para que um hospital possa funcionar – seja pobre, seja rico; seja nos confins do Amazonas, seja na Avenida Paulista; seja minúsculo e artesanal, como o nosso, seja enorme e “amigo do rei”. Uma dessas exigências é a de ter dezenas e dezenas de profissionais de saúde, mesmo que o hospital tenha cinco leitos, como costuma ocorrer com a gente; mesmo que não haja nada para eles fazerem; reina o corporativismo.

Por outro lado, o governo não cria mecanismo nenhum para coibir a fábrica de diplomas que ele autoriza, e que joga no mercado profissionais não só incapacitados, mas (na área da saúde) extremamente perigosos, mortais. Já recebemos profissionais que não conseguiam aferir pressão ou fazer uma injeção endovenosa; diziam que não aprenderam isso na faculdade, que isso era função de técnicos, não de gente de nível superior. Outros não têm nível atencional para fazer ou seguir uma prescrição. Profissionais da prática clínica (ou seja, que não são da área administrativa), mas que diziam ter aprendido na faculdade apenas a gestão de um hospital; afirmavam que eles apenas mandam nos técnicos, que não podem pegar no paciente etc. Ou seja, simplesmente por falta de um controle governamental de qualidade de ensino, o hospital fica com profissionais que ele ou tem de ensinar, ou tem de fiscalizar muito para que não prejudiquem o paciente.

O governo não faz nem o mínimo que deveria fazer, e ainda cria obstáculos para impedir que o hospital faça o que sabe.

O Congresso aprova e o Executivo sanciona uma lei prevendo que, se uma profissional da saúde ficar grávida, o hospital tem de pagar 12 meses para ela ficar em casa, fugindo da Covid (mas podendo ir a shoppings e festas; temos fotos comprovando). É só populismo antiempreendedor para todo lado: os políticos criam populisticamente uma valorização sem levar em conta o outro lado da corda. E, ao contrário do que dizem, o “outro lado da corda” não é o governo ou os grandes hospitais. Para eles não há problema, pois ou têm muito dinheiro (caso dos hospitais que atendem os ricos), ou têm dinheiro a fundo perdido (caso dos hospitais públicos).

Qual é, então, o lado fraco da corda? Qual é o resultado dessas políticas? Um despovoamento de pequenos e médios hospitais. Uma concentração de renda, uma reserva de mercado: sobrevivem apenas os hospitais do governo/organizações sociais (onde é bom pagar e agradar todo mundo) e os grandes hospitais, aqueles das grandes empresas concentradoras de capital. Ou se paga o piso, diminui-se o número de profissionais mais caros e aumenta-se o serviço para os que ficam, ou quebra-se sem que ninguém perceba . É isso que as “leis do governo” têm gerado : SUS para quase todos (e sabemos como ele funciona mal) e os grandes hospitais para os que podem pagar. E ninguém pensa seriamente em desmontar essa bomba-relógio.

Por que não deixar o próprio mercado regular isso tudo, sem o tal piso nem para médicos, nem para enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, nem para ninguém? Se a pessoa é competente, se a profissão é necessária, rentável, que seu preço aumente vertiginosamente no mercado, nada contra. Mas para que esse protecionismo predatório? Repito: sou médico e não acho adequado o piso nem para nós; não estou defendendo corporação nenhuma. Em 40 anos de prática hospitalar, nunca vi um só local que pagasse o piso salarial para médicos, o que me faz pensar que, fora do governo, para essa classe já está valendo a lei da oferta e da procura – o que é bom, mesmo sendo eu médico e estando teoricamente mais “desprotegido” com isso.

Marcelo Ferreira Caixeta é médico psiquiatra.

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