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Tema dos mais recorrentes e polêmicos na sociedade contemporânea, a violência no ambiente escolar carece ainda de uma reflexão profunda, rigorosa, desapaixonada e que tenha como objetivo subsidiar e balizar as políticas públicas e a mobilização da sociedade civil na sua resolução.

Parece necessário ter como pressuposto, nesta questão, um esforço de "desnaturalização" das relações sociais, em geral, e das relações sociais estabelecidas na escola, em particular. Dita qualquer lição básica da Sociologia ou da Antropologia que, os modos de pensar, fazer e agir são social, cultural e historicamente construídos. O que significa dizer que a organização da sociedade, seu regramento, seu ordenamento, seus valores, seus costumes e suas tradições não são instintivos, genéticos ou naturais. Todos esses elementos são, antes de tudo, o resultado de uma correlação de forças e de disputas pela ocupação do espaço político. Está aí, fundamentalmente, a origem dos conflitos sociais. Nesse sentido, o conflito é um desdobramento da vida social humana. Contudo, o conflito não é a violência.

O conflito é a expressão da capacidade de engenho, criatividade, racionalidade e inteligência humana, concretizada de forma diversa e plural. A violência é uma forma de encaminhar o conflito. Só os regimes totalitários, independentemente da ideologia que os oriente, não admitem conflitos, nem que para isso, lancem mão da violência.

A violência é a submissão do outro (indivíduo ou grupo, tribo, nação ou Estado) pela força, contra a sua vontade e determinação, destituindo-o da sua condição de sujeito – participativo das disputas – e transformando-o em objeto, ser inanimado, desprovido de vontade, liberdade, direito e responsabilidade.

O ambiente escolar, constituído e constitutivo da sociedade, se concretiza como espaço político, arena de relações sociais das mais variadas ordens e hierarquias, característica de disputas conflituosas. Essa é a sua condição, pois é social. Isso posto, cabe indagar, para que as políticas de intervenção tenham efetividade nos seus objetivos, sobre o caráter dos conflitos na escola: quais disputas existem? Como estão sendo mediadas e conduzidas? De forma dialogada e responsável ou de forma violenta?

Certamente a violência física e/ou simbólica é um meio presente como mediador de conflitos no ambiente escolar e, além disso, se apresenta com uma gama ampla de arranjos, desde a agressão grave até a "incivilidade" ou "falta de educação". Para o pesquisador francês Eric Debarbieux, a definição do que é a violência escolar deve ocorrer a partir das particularidades de um determinado contexto, pois diz respeito tanto a incidentes múltiplos e causadores de estresse e que escapam à punição, quanto à agressão brutal e caótica enquadrada como crime, passível de registro em boletim de ocorrência e penalização. Assim, a violência neste espaço escolar de relações sociais, históricas e contextuais, pode ser percebida nas formas tangíveis (com indeléveis marcas físicas) e intangíveis (com igualmente indeléveis marcas simbólicas, psicológicas, institucionais) operacionalizadas e vividas entre os alunos, entre professores e alunos, entre escola e comunidade, entre o aparato estatal – especialmente a polícia – e alunos.

Não devemos perder de vista e da razão que a escola é um espaço de socialização, no qual se constroem e solidificam valores, crenças, conhecimentos. No limite, é a socialização das novas gerações no que se projeta e se almeja como comunidade, sociedade e nação. Indagar, analisar e compreender por que a violência tem ocupado progressivamente o espaço do diálogo e da responsabilidade na resolução dos conflitos, para daí intervir e transformar, é um dos grandes desafios dos gestores públicos, das universidades, da sociedade civil. A qualidade da cidadania que está sendo alicerçada é o que deve nortear a reflexão de todos.

Laura Garbini Both é professora de Sociologia e Antropologia da UniBrasil

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