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Fachada da sede da OAB em Curitiba.
Fachada da sede da OAB em Curitiba.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O governo brasileiro promove uma agenda de reformas programadas para impulsionar um novo ciclo de crescimento econômico. É um foco de ação positivo, que agrada aos setores produtivos e traz com certeza um cenário benéfico para o país: era dada a hora para iniciativas que visam à simplificação da carga tributária, o equacionamento da Previdência e o fim de entraves burocráticos que dificultam a vida da sociedade como um todo.

Há, entretanto, de se refletir sobre as nuances do ensejo reformista: não é de bom tom passarmos de um Estado burocraticamente amarrado a outro igualmente indesejável, em que a população fica desprotegida contra empresas e profissionais antiéticos.

Somos sócios do esforço central em produzir crescimento econômico, do qual advirão novos empregos para nossos profissionais e recursos para que a sociedade cada vez mais consuma produtos de alto valor agregado. Porém, é para evitar prejuízos à sociedade que o Conselho Federal de Química (CFQ) e outras entidades posicionam-se contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 108/2019, em tramitação no Congresso Nacional. Trata-se de uma mobilização em defesa dos brasileiros.

Sem o crivo do registro profissional, pessoas desprovidas da necessária qualificação poderão atuar no mercado

Duas das medidas previstas na PEC 108/2019 são alarmantes. A primeira transforma os conselhos profissionais em entidades privadas. Nessa condição, não poderão mais exercer, no lugar do Estado, atribuições como a regulação da atividade profissional, a fiscalização contra más práticas e a imposição de penalidades a profissionais e empresas por exercício impróprio de suas atividades. A segunda medida, igualmente temerária, é desobrigar os indivíduos de se inscreverem no respectivo conselho profissional nos casos em que a ausência da regulação não caracterizar “risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social”.

Combinadas, as duas medidas tendem a destruir o aparato de fiscalização construído ao longo de décadas pelos conselhos profissionais. O prejuízo à sociedade é evidente. Sem o crivo do registro profissional, pessoas desprovidas da necessária qualificação poderão atuar no mercado. Ao mesmo tempo, os conselhos estarão fragilizados como órgãos de fiscalização, tanto no que diz respeito à perda de poder de intervenção quanto no tocante à queda das receitas por causa do declínio das anuidades pagas pelos profissionais e empresas. O resultado? O desemprego dos profissionais qualificados, uma vez que as empresas não mais serão obrigados a contratá-los.

Engana-se quem vê a PEC 108/2019 como problema restrito aos conselhos. Diferentemente dos sindicatos, cuja razão de ser é a defesa dos interesses dos respectivos trabalhadores filiados, os conselhos profissionais zelam pela segurança dos consumidores, garantindo a eles o acesso a produtos e serviços manipulados por profissionais legalmente habilitados. Portanto, a falta de registro e de fiscalização representa risco de dano concreto à vida e à saúde do brasileiro, podendo também comprometer o meio ambiente e a confiabilidade de diversos produtos.

É importante destacar também que, na hipótese de o Estado vir a substituir os conselhos profissionais nas atribuições fiscalizatórias – o que não está previsto até o momento –, a conta ficará para toda a população. O Estado terá de custear com o dinheiro dos impostos o aparato de regulação e fiscalização que os conselhos profissionais sustentam hoje empregando apenas a receita das anuidades. Ou a sociedade ficará sem a proteção garantida pela fiscalização, ou essa defesa passará a depender de recursos públicos, expandindo ainda mais o já inchado gasto governamental.

Sem fiscalização eficiente e com as atividades sendo realizadas por profissionais inabilitados, não haverá garantia da qualidade dos produtos fabricados, dos insumos utilizados, dos métodos empregados – nem mesmo do necessário cuidado no manuseio, armazenamento, transporte e distribuição. Empresários mal intencionados poderão lucrar mais com uma produção desprovida de acompanhamento profissional adequado, num cenário de decadência do respeito aos devidos padrões de segurança e qualidade. A dificuldade pode ser especialmente calamitosa em determinadas atividades, como aquelas relacionadas à fabricação e ao manuseio de produtos tóxicos, corrosivos, inflamáveis, explosivos e de outros artigos perigosos. Se forem conduzidas por profissionais inabilitados, deixarão toda a sociedade à mercê de ameaças potenciais.

É preciso evitar radicalismos. É preciso fazer as devidas ponderações. A condição para que o Brasil cresça não pode ser a de colocar nossa população sujeita a riscos. Os conselhos foram partícipes ativos de vários ciclos de bonança da economia brasileira e dessa vez não será diferente. Com esse pensamento, o Conselho Federal de Química solidariza-se com os demais conselhos profissionais do Brasil e apela aos congressistas para que considerem os argumentos contrários à PEC 108/19. O bom senso recomenda que coloquemos acima de tudo a vida, garantindo saúde e segurança a nós, nossas famílias, todos os brasileiros, nossa fauna e flora e, também, o meio ambiente.

José de Ribamar Oliveira Filho é presidente do Conselho Federal de Química.

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