A educação segundo Ulrico Zuínglio| Foto: Pixabay
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Ulrico Zuínglio nasceu em 1484 na vila de Wildhaus, no cantão de St. Gall, nordeste da Suíça. Desde cedo, Zuínglio foi ensinado por seus inteligentes pais sobre o valor e a importância da educação para a vida. Após frequentar uma escola latina em Berna, ingressou na Universidade de Viena, onde entrou em contato com o humanismo. Em seguida, estudou na Universidade de Basileia, na qual foi influenciado pelo interesse bíblico de alguns mestres e formou um círculo de amigos que mais tarde o puseram em contato com o grande humanista holandês Erasmo de Roterdã.

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Após obter o grau de mestre, em 1506, Zuínglio foi ordenado ao sacerdócio e tornou-se pároco na cidade de Glarus. As influências humanistas e as suas próprias experiências como capelão de mercenários suíços na Itália o levaram a opor-se a esse sistema e isso contribuiu para a sua transferência para Einsiedeln em 1516 e, dois anos mais tarde, para Zurique, onde se tornou sacerdote da principal igreja da cidade. Tendo lido recentemente a tradução do Novo Testamento feita por Erasmo, começou a pregar uma série de sermões bíblicos que causaram forte impacto. A partir dessa época, defendeu um grande programa de reformas em cooperação com os magistrados civis.

Suas ideias sobre o culto público e os sacramentos representaram uma ruptura mais radical com as antigas tradições do que fez o movimento luterano. O ano de 1522 foi decisivo. Zuínglio protestou contra o jejum da quaresma e o celibato clerical, casando-se secretamente com Anna Reinhardt. O casamento de Zuínglio é um fato muito importante, pois, a fim de entender como sucedeu a sua escrita sobre educação cristã, torna-se necessário referir-se à sua vida social em Zurique e aos hábitos daquele tempo. Anna Reinhardt era uma bela jovem que havia se casado em 1504 com John Meyer von Knonau, um nobre das proximidades de Zurique. Meyer veio a falecer, deixando uma viúva com seu pequeno filho, Gerald (que então tinha 8 anos), e suas duas irmãs mais novas. Anna foi recebida na casa do pai de seu falecido marido e aconteceu que, quando Zuínglio foi para Zurique, instalou-se numa casa adjacente ao lar de Anna Meyer. Ela se tornou uma ouvinte atenta das pregações de Zuínglio. Certa vez, Gerald foi à casa de Zuínglio para dar-lhe um recado, mas o pregador ficou admirado com o garoto e decidiu ajudá-lo em seus estudos. Em 1521, quando Gerald tinha 12 anos, Zuínglio enviou-o a Basileia, onde Gerald foi ensinado por Jacob Nepos e por Glarean, aprendendo latim e outras disciplinas. Em 1522, Anna casou-se com Zuínglio e Gerald Meyer agora encontrava Zuínglio não apenas como um pai na fé, mas como seu pai por matrimônio. Isso levou os dois a desfrutarem de um elevado relacionamento afetivo.

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Em 1523, Gerald, então um moço de 14 anos, passou certo tempo nos banhos quentes das montanhas e retornou a Zurique antes que Zuínglio tivesse tempo de arranjar-lhe um presente adequado, de acordo com o costume da época. Portanto, Zuínglio tratou de, em pouco tempo, elaborar um tratado sobre educação cristã para proteger Gerald da influência perniciosa de companhias imprudentes e para reformar o treinamento do jovem e a sua conduta na sociedade. Ele dedicou o Breve Tratado sobre a Educação Cristã a Gerald no primeiro dia de agosto. A obra exibe a visão aguçada de Zuínglio quanto às mais profundas necessidades intelectuais, morais e religiosas dos jovens, o que falta para muitos docentes modernos. O reverendo K. Fulda, editor da reimpressão para a edição sul-alemã de 1524, descreveu a obra como o primeiro tratado protestante sobre pedagogia, com uma visão distintamente evangélica da graça de Deus na educação.

Embora pouco conhecida, a obra certamente merece um lugar de alta honra na literatura pedagógica cristã.

Zuínglio, diferentemente do que apregoa a pedagogia moderna, sabia que a disposição natural do coração, especialmente na juventude, era corrupta, grosseira e que somente por meio do amor a Deus sobre todas as coisas um tempo melhor poderia vir.

Portanto, ele trata de entender a educação não como uma parte secular da vida, mas fundamental no relacionamento do aluno com Deus. Tanto é que seu livro é dividido em três partes: “A primeira parte diz como a mente delicada do jovem deve ser nutrida e instruída em coisas pertencentes a Deus, a segunda parte instrui o jovem nas coisas pertencentes a si mesmo, e a terceira parte mostra como um jovem deve agir para com as outras pessoas”. Ou seja, para Ulrico Zuínglio a primeira e mais essencial coisa na educação de um jovem é o seu dever para com Deus. Todas as demais coisas e conhecimentos são tratados por Zuínglio como secundárias, pois assim o aluno ambicionará “apenas aquelas coisas que são duradouras e contribuem para a nossa salvação”.

O aluno deve, em primeiríssimo lugar, compreender a natureza de Deus, sua Majestade, Soberania e Providência. Deve saber sobre seu caráter santo e paternal, que em face de nossa corrupção e falta de santidade nos proporciona em Cristo a redenção e remissão de nossos pecados: “o Evangelho deve ser ensinado o mais diligentemente e, tanto quanto for possível, em toda a sua pureza”. Este é o primeiro e mais importante passo na jornada intelectual de um jovem, conhecer a Deus e a Jesus Cristo por meio da fé: “a fé deve ser implantada no coração de um jovem com palavras puras e sagradas advindas, por assim dizer, do próprio Deus”.

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Em segundo plano, “após a mente juvenil, que deve ser estabelecida em virtude, ter sido corretamente moldada através da fé, o jovem deve, em consequência disso, bem ordenar e belamente adornar o seu próprio coração”.

Isto é, o jovem, à luz do conhecimento de Deus, deve saber quais são as coisas verdadeiramente importantes, necessárias e edificantes a si mesmo, separando o joio do trigo, o ouro da escória brilhante, aprendendo a arte da prudência e do critério na seleção e aquisição de verdades fundamentais à sua vida.

Por fim, o jovem deve saber, à luz do seu conhecimento de Deus e do seu conhecimento de si mesmo, agir para com seu próximo, tanto em relação à transmissão do que aprendeu como no procedimento piedoso, nos exercícios de amor, compaixão, fidelidade e obediência, tendo Cristo como seu maior exemplo: “Um livre e nobre jovem deve refletir sobre seus deveres para com os outros da seguinte maneira: Cristo sofreu a morte em meu lugar e tornou-se meu Salvador; portanto, devo oferecer meus serviços para o bem de todos os homens e não devo supor que eu pertença a mim mesmo, mas ao meu próximo. Eu não nasci a fim de que eu pudesse viver para mim mesmo, mas a fim de que eu possa me tornar todas as coisas para todos os homens”. Com grande empenho, diz Zuínglio, este jovem “pode servir, com resultados frutíferos, à causa do cristianismo, à sociedade ao seu redor e ao seu país, pois ele será útil tanto para o corpo político quanto para o cidadão individual”.

Nos nossos dias modernos, a maioria dos professores e pedagogos acredita lamentavelmente que religião e educação deveriam estar em oposição ou, no máximo, separadas. Mas isso certamente só revela uma visão limitada da natureza humana! Um jovem não é meramente um ser com um cérebro que deve receber informações técnicas de uma disciplina, mas é um ser com alma e coração, criado por Deus e para Deus. Qualquer área da vida, portanto, que ignore essa realidade será uma área insuficiente e deficiente na função de educar. O reformador Zuínglio partia de uma pressuposição do homem como ser integral e criado à imagem de Deus para desenvolver orientações pedagógicas. Para ele, a educação de qualidade é aquela que aborda todos os aspectos do indivíduo, e certamente dá ênfase ao principal: sua alma e o destino eterno dela.

Portanto, dada a forma como Zuínglio conecta a espiritualidade bíblica com a educação escolar, temos diante de nós preciosos conselhos para construir uma educação distintamente cristã (leia-se verdadeira) em dias tão estranhos, onde cresce o número de alunos perdidos, depressivos e sem sentido de vida simultaneamente com uma pedagogia ateísta, relativista e materialista. Zuínglio é um sopro de ar fresco e de bom perfume para aqueles que compreendem o que é, de fato, a grandiosa e árdua missão de educar um jovem.

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Fernando Razente é historiador com atuação em rádio, assessoria e mídia.